A eficiência dos capacetes aerodinâmicos

O fato de apresentarmos dimensões corporais distintas exige que o equipamento seja efetivamente testado de forma individual

Por Roger de Moraes

Como o ar oferece resistência ao deslocamento do ciclista, este movimento costuma ser facilmente analisado sob a ótica da mecânica dos fluidos. Ao se deslocar, o ciclista pode sentir que as forças de arrasto impostas sobre o seu corpo e a bicicleta aumentam de forma proporcional ao quadrado da sua velocidade. Isso significa que aumentar a velocidade de 20Km/h para 40Km/h, elevará em quatro vezes o arrasto que precisará ser vencido, exigindo potência de pedalada compatível com tal enfrentamento. Cerca de 75-80% de toda resistência ao deslocamento do ciclista advém das forças de arrasto e não é difícil compreender que para nos deslocarmos com maior velocidade sem termos que aumentar proporcionalmente a potência de pedalada só é possível se conseguimos reduzir significativamente os principais componentes da força de arrasto. Estes incluem o arrasto de pressão e o arrasto de atrito.

Mas afinal o que é força de arrasto? Trata-se da força de resistência ao movimento de um objeto em um meio fluido que pode ser um líquido ou um gás. Essa força atua no sentido oposto ao movimento do objeto no meio e para compreender seus componentes, vamos usar a imaginação. Imaginem um objeto retangular como a porta do seu quarto se deslocando “em pé” no espaço a uma velocidade de 40Km/h. Neste caso, o arrasto de pressão será máximo e existirá uma região de menor pressão logo atrás da porta, algo que é conhecido no ciclismo como “vácuo”. Agora considerem “deitar” a porta e mantê-la se deslocando no espaço na mesma velocidade. Nesta nova situação, o arrasto de pressão será mínimo e o arrasto de atrito que era mínimo na situação anterior, se tornará máximo.

Esses dois tipos de arrasto interferem negativamente no deslocamento do ciclista e encontrar estratégias para minimizá-los representou uma das iniciativas mais realizadas nos últimos 20 anos pelos institutos de pesquisa e desenvolvimento de materiais. Neste ponto, o triathlon sempre foi pioneiro na avaliação de protótipos que aprimoravam a aerodinâmica do ciclista e reduziam as forças de arrasto. De fato, no primeiro semestre de 1986, “aerobars” foram pela primeira vez utilizados na etapa de Miami da extinta série de Triatlons dos Estados Unidos (USTS) e popularizados após Greg Lemond vencer o contra-relógio do Tour de France do mesmo ano.

Mesmo sabendo que o triathlon é repleto de “detalhes” que oferecem grande resistência ao deslocamento do atleta na etapa do ciclismo e que a redução de tais empecilhos poderia resultar em reduções de mais de 40 minutos do tempo do Ironman, por muito tempo as iniciativas em incorporá-las ao esporte foram tímidas perto da “revolução” observada na última década. Presenciamos hoje o lançamento de um conjunto de mudanças no desenho dos quadros, rodas, vestimentas e outros equipamentos que coletivamente contribuíram para impressionante redução dos tempos do ciclismo nos desafios de triathlon de longa distância. Uma dessas mudanças foi o capacete.

Ainda que na década de 80 já fossem fabricados capacetes aerodinâmicos em formato de “gota”, as mudanças mais recentes contribuíram para reduzir ainda mais as turbulências do fluxo, e o mais importante, passaram a ser estabelecidas a nível individual. Sabe-se que a forma mais racional de se reduzir o arrasto de pressão do ciclista é diminuir a sua área de superfície frontal, algo que se procurava alcançar segurando na posição de baixo do guidão e flexionando bastante o tronco sobre o quadril. Entretanto, em virtude do formato e do posicionamento da cabeça do ciclista, a turbulência de fluxo só poderia ser minimizada através da utilização de materiais que além de protegerem contra impactos, maximizassem o fluxo laminar permitindo a adoção de posturas igualmente aerodinâmicas e confortáveis. Infelizmente, nem sempre o capacete que parece mais aerodinâmico é o mais indicado para determinado ciclista. O fato de apresentamos dimensões corporais distintas exige que o equipamento seja efetivamente testado de forma individual.

Em face ao exposto, a escolha do melhor capacete e de sua interação com o corpo do ciclista no sentido de maximizar o fluxo laminar de forma a reduzir o arrasto de pressão sem aumentar excessivamente o arrasto de atrito, dependerá da testagem de diferentes modelos em túnel de vento apropriado. Pode parecer algo muito sofisticado, mas se considerarmos que posturas muito aerodinâmicas podem comprometer a capacidade de geração de potência na pedalada, quando o objetivo é melhorar o rendimento, o potencial de ganhos no deslocamento com um capacete apropriado poderá compensar o esforço.

Roger de Moraes – @demoraesroger

Ex-triatleta Profissional, Professor de Fisiologia Geral
Doutor em Ciências com Pós-Doutorado no Laboratório de Investigação Cardiovascular do Instituto Oswaldo Cruz – Fundação Oswaldo Cruz

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