A importância do gerenciamento de cargas em triatletas

Conhecer o atleta, suas capacidades e limites tanto físicos como emocionais e psicológicos são ferramentas fundamentais para o desenvolvimento ideal de um programa de treinamento

Por Eduardo Figueiredo

Com o avanço da tecnologia, novos métodos de monitoramento estão sendo desenvolvidos. Há evidências de pesquisas em genética de que as diferenças na sequência do DNA contribuem para a variação humana no nível de atividade física, aptidão cardiorrespiratória no estado não treinado, resposta cardiovascular e metabólica ao exercício agudo e capacidade de resposta ao exercício regular. O conceito de heterogeneidade na resposta a programas de exercícios padronizados foi introduzido pela primeira vez no início dos anos 80. Em uma série de estudos de treinamento de exercícios cuidadosamente controlados e padronizados conduzidos com voluntários adultos jovens e saudáveis, foi demonstrado que as diferenças individuais nas mudanças induzidas pelo treinamento em vários fenótipos de desempenho físico e condicionamento físico relacionados à saúde eram grandes, com variação entre baixo e alto respondedores sendo atingindo várias vezes. Traços quantitativos, como adiposidade total, tamanho do coração ou consumo máximo de oxigênio, exibem grandes diferenças interindividuais. Essa variação humana persiste mesmo se dividirmos os indivíduos em grupos mais homogêneos com base em sexo, idade e massa corporal.

Diante de uma complexidade biológica individual, torna-se necessário um melhor entendimento de bases fisiológicas e moleculares de adaptação ao exercício. Atualmente, métodos de genômica, epigenômica, metabolômica e transcriptômica, estão sendo desenvolvidos com o objetivo de descobrir biomarcadores do exercício e de doenças. Mas esse é um assunto que vou deixar para outro momento, aqui comentarei brevemente sobre o monitoramento das cargas de treinamento do atleta, e como é importante entender aspectos básicos de adaptabilidade ao treinamento.

É cada vez mais comum treinadores adotarem uma abordagem mais científica para o monitoramento do treino de seus atletas. O monitoramento apropriado da carga pode ajudar a determinar se um atleta está se adaptando a um programa de treinamento e a minimizar o risco de desenvolver sobrecarga e, consequentemente, lesão e overtraining. Para obter uma compreensão da carga de treinamento e seu efeito sobre o atleta, vários marcadores potenciais estão disponíveis para uso. No entanto, a maioria desses marcadores têm poucas evidências científicas que apoiem seu uso, e ainda não há um único marcador definitivo descrito na literatura.

Atualmente, existem várias ferramentas ‘externas’ de quantificação e monitoramento de carga, como dispositivos de medição de energia, análise de movimento de tempo, bem como medidas de unidade de carga ‘interna’ que incluem a percepção de esforço (PE), frequência cardíaca (FC), lactato sanguíneo e VO2max (consumo máximo de O2). A incongruência entre a relação de cargas externas e internas pode revelar um estado de fadiga do atleta.

O monitoramento adequado da carga de treinamento pode fornecer informações importantes para atletas e treinadores; no entanto, os sistemas de monitoramento devem ser intuitivos, fornecer análise e interpretação de dados eficientes e permitir relatórios eficientes de feedback simples, mas cientificamente válido.

Um conceito básico em treinamento é de que, a medida que o atleta vai evoluindo em seu desempenho, modificações na carga de treinamento, principalmente em ajustes de frequência (quantidade de sessões), duração e intensidade são necessárias. As cargas de treinamento são ajustadas em vários momentos durante o ciclo de treinamento, visando a sobrecarga e diminuição da fadiga dependendo da fase.

Como foi mencionado anteriormente, ao monitorar a carga de treinamento, as unidades de carga podem ser consideradas ‘externas’ ou ‘internas’. A carga externa é definida como o trabalho realizado pelo atleta, medido independentemente de suas características internas. Por exemplo, um atleta no ciclismo mantendo uma potência média (W) por um determinado período de tempo (200W por 30 min). Embora a carga externa seja importante para entender o trabalho concluído, as capacidades e habilidades do atleta, a carga interna ou o estresse fisiológico e psicológico relativo imposto também é fundamental para determinar a carga de treinamento e a subsequente adaptação. De fato, pode ser a relação entre as cargas que pode ajudar a revelar a fadiga no atleta. Por exemplo, usando a carga externa cíclica mencionada acima (W), a potência de saída pode ser mantida pela mesma duração; entretanto, dependendo do estado de fadiga do atleta, isso pode ser alcançado com uma frequência cardíaca alta ou baixa ou uma percepção de esforço alta ou baixa. E é essa divergência de carga externa e interna que pode diferenciar um atleta fadigado de um atleta bem fisicamente.

Hoje é comum, e até diria imprescindível, a utilização de softwares que analisam e monitoram cargas externas e internas, possibilitando o registro de dados a serem analisados e fornecendo informações sobre vários parâmetros, incluindo potência média, potência normalizada, velocidade e acelerações.

A complexidade do triathlon vai além da natureza multidisciplinar do esporte, e se estende à saúde física e mental do atleta, monitoramento de treinamento, estratégias nutricionais e muitos outros aspectos. No entanto, a tradução dos resultados de planos de treinamento individuais pode ser um desafio, pois cada atleta é diferente e pode responder aos estímulos de treinamento de maneiras diferentes.   A melhor fonte de informações importantes sobre como otimizar o treinamento para atletas virá do feedback fornecido pelos próprios atletas. O monitoramento sistemático do atleta, a experiência e o conhecimento baseado em evidências informarão o treinador para elaborar um plano de treinamento integrado e individualizado para cada atleta.

Na busca de melhorar cada vez mais a performance do atleta, é necessário um entendimento de como as adaptações aos estímulos de treinamento ocorrem em um nível fisiológico e molecular. Para evitar respostas indesejadas do atleta, é importante entender que a variabilidade intra e interindividual no desempenho se deve em grande parte à flexibilidade metabólica e a plasticidade de adaptação que sustentam as respostas individuais ao treinamento. A flexibilidade metabólica sustenta a plasticidade de adaptação, sendo responsável por diferenças substanciais no grau de adaptação ou capacidade de desempenho entre indivíduos em resposta ao mesmo programa de treinamento. O pico de indução para genes metabólicos e miogênicos (tecido muscular) responsáveis ​​pela adaptação geralmente ocorre 4 a 8 horas após uma sessão de exercício. O mRNA (mensageiro biológico que traduz os estímulos do exercício em adaptações anatômicas, bioquímicas e fisiológicas) retorna aos níveis pré-exercício dentro de 24 h. Os triatletas realizam várias sessões de treinamento por dia, produzindo uma sobreposição contínua de vias moleculares em cada janela de 24 horas. Por isso, a importância do ajuste individual da carga para que as adaptações ocorram dentro do tempo e proporções ideais.

No triathlon, os melhores desempenhos são frequentemente associados a períodos de treinamento intensivo, seguidos de um ‘taper’, que envolve uma redução acentuada na carga de treinamento por alguns dias antes de uma grande competição. Um taper pretende minimizar os estressores habituais de um triatleta, permitindo que os sistemas fisiológicos sofram supercompensação.

Embora as demandas de treinamento e competição sejam bem compreendidas, ainda existem treinadores e atletas apegados à filosofia de ‘quanto mais treino, melhor’. As progressões na carga de treinamento devem ser periodizadas em vez de estritamente lineares por natureza, qualquer que seja a distância da prova. A respeito disto, estudos observacionais sobre a distribuição da intensidade de treinamento em vários esportes de resistência, incluindo natação, ciclismo, corrida e triatlo, mostram um forte foco no treinamento em intensidades moderadas abaixo do limiar de lactato, com a maior parte do tempo restante de treinamento visando treinamento de alta intensidade em intensidades quase máximas e supra máximas. Esse formato de distribuição de intensidade de treinamento polarizada é considerado a melhor prática para maximizar a adaptação em níveis aceitáveis ​​de estresse fisiológico. Um bom exemplo desse modelo de distribuição de carga foi observado em um estudo que acompanhou a rotina de uma triatleta profissional olímpica que realizou 74%, 88% e 85% de seu treinamento de natação, ciclismo e corrida, respectivamente, em intensidades abaixo de seu limiar individual de lactato durante uma temporada inteira. Além disso, desempenhos mais rápidos no Ironman estão associados a tempos de treinamento mais longos em intensidades baixas a moderadas.

Realmente, a preparação de um atleta para uma competição não é fácil. Requer um bom equilíbrio entre forçar os limites de treinamento e gerar adaptação melhorando a performance, e evitando resultados negativos, como baixo desempenho, lesões e doenças.

Uma revisão sistemática de medidas objetivas e subjetivas de bem-estar do atleta para orientar o treinamento e detectar qualquer progressão para resultados negativos de saúde e baixo desempenho esportivo, indicou que os atletas devem relatar seu bem-estar subjetivo (feedback) regularmente, juntamente com outras práticas de monitoramento. Uma abordagem multivariada, incluindo monitoramento fisiológico, biomecânico, cognitivo e perceptivo, tem sido recomendada para prevenir a má adaptação em triatletas altamente treinados.

O trabalho de preparação de um atleta competitivo envolve uma equipe multidisciplinar, e muitas áreas da saúde tem se especializado na preparação de atletas de todos os níveis. Trabalhos visando o aspecto psicológico do atleta vem ganhando cada vez mais espaço dentro da rotina dos atletas. Quando se fala em fadiga, logo pensamos no físico (corpo), mas muitos atletas lidam com uma fadiga mental decorrente do treinamento e competição de alto nível em combinação com outros estresses do estilo de vida. Trabalhos visando a fadiga mental tem o objetivo de construir estratégias para melhorar a capacidade dos atletas de atender às demandas mentais agudas e crônicas do treinamento de alto volume. É cada vez mais comum o treinamento de habilidades psicológicas serem realizados proativamente pelos atletas.

De um modo geral, os estudos em treinamento e gerenciamento de cargas em atletas vem propondo cada vez mais um trabalho individualizado e integral, passando pela própria periodização do atleta e abordando aspectos psicológicos e de saúde do indivíduo. Um bom exemplo é o aumento e avanço em pesquisa do gerenciamento do sono ou higiene do sono, que recentemente tem se tornado um dos principais focos na preparação do atleta, e intervenções para melhorar esse condição já estão sendo desenvolvidas.

Apesar de todo avanço em tecnologia e conhecimento sobre princípios do treinamento, conhecer o atleta, suas capacidades e limites tanto físicos como emocionais e psicológicos são ferramentas fundamentais para o desenvolvimento ideal de um programa de treinamento. Estabeleça uma relação próxima ao atleta e observe suas principais demandas e limitações e, principalmente, dê atenção ao feedback do atleta, isso vai dizer bastante sobre a direção que ambos vão tomar.

Bons treinos!

Prof. Eduardo Figueiredo
Graduado em Educação Física
Especialista em Fisiologia do exercício
Mestrando em Oncologia – PPGO / CPQ – INCA
Professor de ciclismo da equipe Cordella team
Professor da clínica de reabilitação cardíaca MEDSPORT
Personal trainer
@prof.edu_figueiredo

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