Ale Paiva, triatleta diabético finisher em Kona 2022

O brasileiro também foi o primeiro triatleta – e segundo no mundo – a completar um Ultraman

Quando, aos 19 anos, Alexandre Paiva foi diagnosticado com diabetes tipo 1, ele jamais imaginaria que, anos depois, estaria quebrando barreiras e inspirando pessoas através do esporte. Confira abaixo a entrevista.

Quando teve o diagnóstico de Diabetes Tipo 1?

Aos 19 anos, comecei a faculdade de Engenharia de Produção, na Universidade Federal do ABC, em Santo André (SP) e, como moro em Santos, subia e descia a serra diariamente. Teve um dia, durante o trajeto de ida, que pedi ao motorista da van para parar cinco vezes na estrada para poder urinar. Na madrugada, não consegui dormir bem porque acordava toda hora para fazer xixi. Além disso, sentia uma sede insaciável. Eu, que bebia, em média 1,5 litro de água por dia, tomei 10 litros. No segundo dia de sintomas, fui ao hospital e constataram que a minha glicemia estava alta. Fiz um exame de sangue e o resultado foi surpreendente: o nível de glicose (açúcar) no sangue estava em 650 mg/dl (o valor considerado normal é 99 mg/dl). O médico que me atendeu comentou que isso era um forte indício de diabetes e me orientou a procurar um especialista. Após 10 dias, quando foi confirmado o diagnóstico da doença pelo endocrinologista, eu já tinha emagrecido 5 kg. O médico me deu as orientações básicas do tratamento e disse para eu me cuidar, pois a condição poderia causar sequelas graves como cegueira, problemas no coração e amputação.

Como foi a reação da família?

Meus pais ficaram assustados e eu decidimos consultar também outra especialista. Ao ouvir a minha história, a endócrino explicou que possivelmente o estresse que eu passei durante os dois anos de período pré-vestibular foi um gatilho para eu desenvolver o diabetes tipo 1. Na época, estava terminando o ensino médio e fazendo cursinho, existia uma pressão dos meus pais para eu entrar em uma Universidade Pública. Eles se sentiram culpados por isso, mas não os responsabilizo pelo que aconteceu, eles só queriam o melhor para mim. Desde o início, tive uma boa adesão ao tratamento e adotei hábitos essenciais para controlar o diabetes. Meço a glicemia antes das refeições, tomo insulina e tenho uma alimentação saudável. Reduzi o consumo de alimentos e bebidas açucaradas e aumentei a ingestão de frutas, verduras e legumes.

Qual foi a recomendação médica?

A médica me liberou para praticar o esporte, a única recomendação dela era que eu medisse a glicemia antes e depois de cada atividade física. Além disso, iniciei um acompanhamento com uma nutricionista que me indicava a dieta e suplementação para ter uma melhor performance. Por ter diabetes, preciso ter sempre comigo uma fonte de energia de rápida absorção, como um refrigerante, um isotônico, um carboidrato em gel, por exemplo.

Como o esporte virou seu aliado?

Com o passar do tempo, pesquisei o que poderia fazer para ter mais qualidade de vida. Foi aí que o esporte, que já fazia parte da minha rotina desde criança, tornou-se um grande aliado e uma chave virou dentro de mim. Em 2017, aos 27 anos, criei um desafio pessoal e coloquei na cabeça que queria me tornar um triatleta e um dia fazer um Ironman. Eu já fazia musculação, natação e corrida regularmente e participava de competições no mar e de provas de ruas, mas faltava incluir o pedal na rotina. Comprei uma bicicleta e comecei a treinar duas vezes por semana, das 4h30 às 6h, em uma avenida na praia que fica fechada para carros e é liberada para ciclistas. Dois meses depois, participei do meu primeiro triathlon, na distância “sprint". Fiquei em 8º lugar e percebi que, se eu treinasse mais, poderia estar entre os cinco primeiros que sobem ao pódio. Então, passei a ter uma rotina de treinos disciplinada.

Quando começou a treinar para o Ironman?

Em 2019, comecei minha preparação para o Ironman. A rotina de treinos tornou-se ainda mais intensa: treinava, em média, 15 horas por semana, divididas entre natação, corrida, bike e pilates. Eu me sinto muito bem física e mentalmente. O esporte me ajuda a ter foco, disciplina e dedicação em todas as áreas da minha vida. Imagem: Arquivo pessoal Em três anos, tive grandes conquistas. Fiquei em 5º lugar no Ironman Brasil 2019 na minha categoria. Em 2021, fui vice-campeão do Ultraman Brasil, conquistando o título de primeiro atleta com diabetes do país e segundo no mundo a completar um ultratriatlo —a competição é disputada durante três dias e os atletas fazem 10 km natação e 145 km de pedal no primeiro dia; 276 km de bike no segundo dia; e 84,4 km de corrida no terceiro e último dia. Também fui escolhido duas vezes o atleta do ano pela Sociedade Brasileira de Diabetes. Fui vice-campeão do Ironman Brasil 2022 na minha categoria, fiz os 3,9 km de natação, 180 km de ciclismo e 42,2 km de corrida em 8 horas e 55 minutos. O feito me rendeu uma vaga no mundial de Ironman e, agora em outubro, representarei o Brasil na competição disputada no Havaí (EUA).

Ale Paiva finisher em Kona 2022. Foto: @velopixx

Durante as provas de triathlon, como você mede seu nível de glicemia?

Desde 2013 utilizo a terapia de bomba de infusão de insulina para controle da glicemia, e uma das funções dessa bomba é a monitorização contínua de glicose que permite o acompanhamento da minha glicemia e a tendência de queda ou alta dela para os próximos minutos na tela da bomba. A partir do número de glicemia e setas de tendência, tomo a ação para manter a minha glicemia entre 70 e 180 mg/dl. No ano de 2019, fiz o meu primeiro Ironman com uma versão que não era à prova d’água, onde tive que encaixar a bomba de insulina após a natação, mas desde 2020 utilizo uma versão à prova d’água que me permite fazer as provas de triathlon, desde a largada até a chegada, sendo monitorado.

Qual foi seu pior episódio que já passou em treino e competição por estar com a glicemia desregulada?

Não há um pior episódio que tenha me feito parar durante uma competição, mas já tive alguns treinos interrompidos por minutos até a recuperação dos sintomas de uma hipoglicemia, comprando uma Coca-Cola no meio do treino. O monitor contínuo de glicose, estar acompanhado de um carbogel nas competições e/ou, durante os treinos, para comprar uma Coca-Cola, no caso de uma hipoglicemia, reduz bastante o risco de um pior episódio acontecer.

Ale Paiva na etapa de ciclismo de Kona 2022. Foto: @velopixx

Vimos que fez o UB515 Ultraman Brasil; como foi o controle da glicemia para esta prova tão longa? Teve de adaptar algo?

Além de utilizar a bomba de insulina e o sistema de monitorização contínua de glicose dela, também utilizei um Libre no braço que hoje vemos alguns profissionais utilizando. É o mesmo sistema de monitorização contínua de glicose, porém a leitura é via celular com a tecnologia NFC, e isso permitiu ter conhecimento da minha glicemia com o celular de um dos staffs que estava no caiaque de apoio durante os 10km de natação, já que eu não tinha acesso à bomba de insulina por estar com a roupa de borracha.

O que sentiu com o desafio do Ultraman?

O Ultraman me trouxe experiências e aprendizados únicos para a minha vida e a vida do meu staff. A torcida da minha família, noiva, amigos e pessoas que admiro no esporte e na vida, durante os três dias, faz o Ultraman um dos momentos mais felizes da minha vida e do meu staff. Algumas das experiências que mais me recordo são amigos e família correndo comigo durante o percurso dos 84km de corrida, tem também o depoimento do Alessandro Silveira – um dos participantes do UB515 – que após me ultrapassar no km70 gravou um vídeo, durante a prova, falando do que eu estava representando para ele que teve os pais com Diabetes e também para a Sociedade de pessoas com Diabetes. Na linha de chegada ainda tive a oportunidade de dizer aos meus pais que eles jamais deveriam se sentir culpados por eu ter Diabetes, até porque a Diabetes me fez completar um Ultraman, portanto só me fez mais forte, é emocionante para mim até hoje. Esses momentos podem ser revistos na página do meu Instagram.

Como é seu volume semanal de treinos e divisão com a rotina do dia a dia?

O volume semanal de treinos varia de acordo com a prova-alvo, respeitando o ciclo de treinos do meu treinador Marcus Fernandes. Por exemplo, para o Ironman cheguei a acumular 65km de corrida, 400km de ciclismo e 9km de natação por semana, e para o Ultraman 70km de corrida, 500km de ciclismo e 16km de natação por semana. Eu sou formado em Engenharia de Produção e hoje sou Coordenador de Logística em uma multinacional do mercado de fertilizantes, que trabalho desde 201; a rotina do dia a dia, tanto para os treinos do Ironman como do Ultraman, é acordar às 04 da manhã, ir dormir às 22 horas da noite, 6 dias da semana, e aos domingos fazer uma corrida um pouco mais tarde para conseguir dividir os sábados à noite com a família e noiva.

Quais são seus ídolos no triathlon? 

No triathlon brasileiro o Marcus Fernandes, não só pelo currículo no esporte, mas também por ser o amigo que é desde 2019, sendo meu treinador. No triathlon internacional é o alemão Jan Frodeno.

Como foi sua prova em Kona 2022, e como sentiu a diferença em relação ao Ironman Floripa?

A promoção em julho de 2022, no trabalho, me custou algumas horas a menos de treino e descanso, o que fez eu chegar em Kona menos treinado e mais cansado comparado ao Ironman de Floripa. Já na natação senti um incômodo no joelho (tendinite), que apareceu desde o início dos treinos em agosto, mas comparado ao Ironman de Floripa, por conta da ausência da roupa de borracha, fiz cinco segundos a mais de média a cada 100m (1min29s/100m). Já na T1, na minha cabeça ficou ainda mais clara a ideia de não buscar performance em Kona e sim aproveitar o momento de participar do Mundial, foi o que fiz dali em diante. O meu pedal em Kona foi bem mais conservador do que em Floripa, já que as condições da Big Island me preocupavam para conseguir descer da bicicleta bem para a corrida, mas mesmo assim senti câimbra nas duas pernas nos últimos 10km e entreguei a bike com 14 minutos a mais do que em Floripa. A minha T2 foi mais lenta e a corrida também, entregando a maratona 34 minutos a mais que Floripa. Realmente as condições de Kona, não só climáticas mas dos outros competidores e dinâmica de prova, são diferentes de Floripa, o que levou o meu corpo sentir mais as consequências, principalmente da desidratação, e entregar um tempo 55 minutos a mais que o IMBR. 

Como é receber o feedback das pessoas que se sentem motivadas por você poder realizar estes desafios tendo diabetes tipo 1?

Fico feliz por ser esse exemplo para pessoas com diabetes tipo 1 e é uma das coisas que me traz motivação para o meu dia a dia. Mostrar em provas de Ironman e Ultraman, para pessoas com ou sem diabetes e também para pais de filhos com diabetes, que a Diabetes só me faz mais forte, é uma realização que converto em energia para continuar!

Quais os planos para 2023?

Manter a minha glicemia controlada e participar pela primeira vez de um Ironman 70.3.

Profile:

Nome: Alexandre Paiva

Nascimento: 01/06/1990

Cidade natal: Santos – SP

Cidade em que vive: Santos – SP

Tempo de triathlon: Cinco anos

Técnico: Marcus Fernandes

Médicos: Helena Trindade, Monica Gabbay.

Fisiologista: William Komatsu.

Fisioterapeuta: Bruna Reclusa.

Performance: Fabio Carvalho.

Massoterapeuta: Ana Paula Andrade. 

Bike: Felt IA FRD 2020

Capacete: Giro

Sapatilha: Bontrager

Tênis de corrida: Hoka Carbon X 2

Roupa de borracha: Roka SpeedSuit

Óculos de natação: TYR ops 2.0

Apoio e patrocínios: SUB8 Coffe Ride, IBTED, BoatBeer, MF Racing, Novo Nordisk, Z2 foods e Instituto CPD.

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