Body Mind: Tudo é impossível

No dia 22 de setembro de 2019 aconteceu o Ironman 70.3 Rio de Janeiro, que devido as condições meteorológicas do dia, foi considerado difícil por boa parte dos atletas que competiram. A expectativa para as competições cariocas geralmente é de um dia ensolarado e de altas temperaturas, mas as condições deste ano foram um pouco atípicas graças a uma frente fria que provocou ondulações e correntezas na etapa da natação, além da chuva que deixou o asfalto molhado exigindo dos atletas muita atenção e técnica nos 90km de ciclismo.

Acompanhei alguns comentários sobre a prova pelas redes sociais e observei que é muito comum, principalmente entre os amadores, justificar o seu fracasso na prova como consequência de fatores externos, como as condições climáticas no caso do 70.3 Rio. Faça chuva ou faça sol, sempre haverá alguma insatisfação por não ter atingido o resultado esperado. Por outro lado, observei que atletas da elite se posicionaram de modo diferente sobre as dificuldades que encararam durante a prova. Responsabilizaram-se pelas suas falhas e enfatizaram a importância de trabalhar mais seus pontos fracos para na próxima vez obter um resultado mais satisfatório.

Essa discussão me colocou pra pensar a respeito dos significantes “possível" e “impossível", que nos são muito familiares, afinal, “Anything is possible" (tudo é possível) é o slogan da marca de provas de triathlon mais famosa do mundo, a Ironman. Observo muitas frases motivacionais por aí os utilizando com uma conotação que remete à superação de limites, ou até mesmo a uma negação deles. Afirmar que tudo é possível nem sempre é questão de opinião, de esforço ou de vontade. Prefiro inverter o slogan e afirmar que tudo é impossível e vou explicar-lhes o porquê.

Freud, neurologista austríaco criador da Psicanálise, introduziu essa questão com a polêmica afirmação de que governar, educar e pasmem, psicanalisar são tarefas consideradas impossíveis, partindo do princípio que não há um saber que dê conta do real.

A impossibilidade de acessar o real em sua totalidade é o preço que pagamos ao entrar no campo simbólico da linguagem, mal-estar constituinte das nossas relações sociais, segundo Freud, nossa fonte de sofrimento mais penosa. Para o psicanalista francês Jacques Lacan, o real não é para ser sabido, assim, nos deparar com o impossível é nos afastar das idealizações e compreender que não há uma verdade absoluta, mas apenas meias-verdades, verdades possíveis. Quando não nos atentamos a isso, é como se não quiséssemos saber nada a respeito dos nossos limites e assim paralisamos na impotência, como uma tentativa de nos protegermos das nossas falhas e impossibilidades.

Se qualquer fracasso é vivido como impotência e não como impossibilidade fica difícil sustentar uma posição desejante. A psicanálise nos convoca a assumir que não se pode velar, controlar ou silenciar o impossível, mas que isso não implica em ficar impotente diante dele. O triathlon é uma modalidade essencialmente complexa e que nos coloca dificuldades desde o cotidiano de treinamento até a linha de chegada de uma prova. Nele nos deparamos com nossos limites o tempo todo, e com isso aprendemos a assumir o impossível e suportar nossas impossibilidades, lição que levamos do esporte para todas as esferas da vida.

Paula Lampé Figueira é psicanalista, psicóloga do esporte e triatleta amadora, autora do projeto “Atleta no divã”. @atletanodiva

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