Como o ciclismo afeta a sua corrida

A discussão é longa e o número de variáveis para serem analisadas é imenso

Por Gustavo Meliscki

Para alguns, a sensação é de perna pesada, com movimentos descoordenados, que dificultam o seu desempenho. Para outros, a sensação é de perna leve, movimento acelerado, levando a um pace até mais rápido do que o esperado. No fim das contas, o ciclismo afeta o desempenho da sua corrida?

A discussão é longa, o número de variáveis para serem analisadas é imenso, e no fim das contas você pode até não concordar comigo… e tudo bem! Antes de começar a discussão, vamos a alguns pontos importantes.

Independente de qualquer coisa, o que conta é ter uma BOA EFICIÊNCIA MECÂNICA. O que é isso? É ter a maior propulsão, maior deslocamento, pace mais baixo, MAS, com o menor gasto energético possível. Manter um pace baixo, gastando todas suas energias não quer dizer que sua corrida é eficiente.

Outro detalhe, o que importa não é a minha opinião, mas sim o que nós sabemos de verdade sobre o assunto. Assim, todos as informações que eu apresentar são resultados de estudos científicos. Não necessariamente eu concordo com eles, e ao final até deixo a minha opinião.

Então, para saber se o ciclismo afeta a sua corrida, nós vamos ter que falar pelo menos sobre: biomecânica da corrida, gasto energético e percepção de esforço. Vamos lá:

1) O ciclismo provoca uma mudança na biomecânica da corrida? SIM! Depois de alguns minutos da transição, você já não tem a mesma capacidade de empurrar o chão como de costume, isso provoca uma diminuição do comprimento da sua passada. A fim de manter o ritmo você naturalmente aumenta sua cadência (ppm). Outra mudança é que seu corpo já não consegue responder tão bem ao contato com o solo, isso leva uma maior oscilação vertical, mas não na fase aérea da corrida, e sim no momento que seu pé está apoiado no chão. O problema dessa segunda mudança? Essa alteração é fator de risco para algumas lesões. (estudo de 2019)

2) O ciclismo provoca um aumento do gasto energético na sua corrida? SIM. Quanto? Isso depende, mas em média, parece que após alguns minutos, seu gasto energético durante a corrida é em média 7% maior depois do ciclismo. Outro detalhe importante é que se comparados, a diferença média entre o gasto energético de um atleta de elite e um atleta amador é de 6%. Ou seja, mesmo que o ciclismo promova um aumento do gasto energético em amadores e elite, o atleta da elite ainda é muito mais econômico que um amador. (estudo de 2019)

3) O ciclismo provoca um aumento da sua percepção de esforço na hora da corrida? SIM. Sua mecânica é alterada, seu consumo energético, logo, a sua percepção de esforço para manter o pace normal é maior. (estudo de 2017)

“Ahhh, mas eu me sinto diferente e não concordo com o que você escreveu”. Tudo bem, sabe por quê? Diversos fatores influenciam, principalmente na percepção e os estudos nem sempre conseguem levar isso em consideração.

O primeiro deles é um fator chamado de energia potencial elástica de seus músculos e tendões. O que é isso? O quão rápido seu corpo transforma a energia do impacto em energia de impulsão. Algumas pessoas têm músculos, tendões, e articulações, “pré-programados” para uma resposta rápida, outras precisam trabalhar essa questão com saltos, tiros em subida, exercícios com peso corporal e movimentos rápidos, coisas desse tipo.

Um segundo fator é a cadência do seu pedal e a energia imposta no último quilômetro do ciclismo. Uma cadência de giro mais alta, sem tanta carga, pode favorecer seu ritmo inicial da corrida. Por fim, saiba que a prova não é definida no km inicial da corrida. Estudos mostram que atletas que iniciam a corrida com um pace em média 5% menor do que seu pace habitual conseguem o melhor desempenho final.

Por último, vale a pena esclarecer que todos os estudos comparando os efeitos do ciclismo no desempenho da corrida foram realizados utilizando como distância máxima as provas de triathlon olímpico. Apesar de inferir que os mesmos fatores possam influenciar no desempenho de provas de longa distância, até o momento, nenhum estudo pode comprovar isso.

Como orientação final, saiba que o desempenho da sua corrida é muito mais complexo que apenas correr. Educativos, fortalecimento, tiros e treinos de transição podem ajudar a melhorar seu desempenho.

Gustavo Meliscki é fisioterapeuta da Seleção Brasileira de Triathlon e do SESI Triathlon Team. @meliscki_fisio

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