Um dos principais papéis da aplicação com gelo nas primeiras 72h após a lesão em tecidos moles é reduzir a demanda por oxigênio
Por Roger de Moraes
A crônica repetição de determinados movimentos é capaz de afetar a integridade tecidual e resultar em resposta inflamatória frequentemente observada em atletas de endurance submetidos a treinamento intensivo.
Lesões por “overuse” podem afetar fibras musculares e tendíneas e também os ossos. Neste contexto, um dos principais papéis da aplicação com gelo realizada durante 20-30 minutos e 3 vezes ao dia nas primeiras 72h após a lesão em tecidos moles é reduzir a demanda por oxigênio e a atividade do metabolismo celular e com isso minimizar a lesão secundária à hipóxia no local.
Tal intervenção também atenua a formação de trombos e a infiltração de células do sistema imunológico que sintetizam moléculas pró-inflamatórias e que também liberam excesso de outras substâncias com ação vasodilatadora e capazes de oxidar novas membranas.
Interessantemente, à semelhança do que já foi proposto para o uso de drogas anti-inflamatórias não esteroidais, exatamente por reduzir a inflamação, o uso de gelo poderia retardar a regeneração muscular. Este fenômeno decorre da identificação do papel do processo inflamatório na expressão de proteínas necessárias à recuperação e também à adaptação tecidual. De fato, ao reduzir a infiltração de macrófagos, a crioterapia interferiria negativamente nos processos de degeneração e de regeneração tecidual que parecem ocorrer de forma sequencial.
Existem muitas evidencias que demonstram o relevante papel dos macrófagos na proliferação de mioblastos e diferenciação celular para formação de miotubos em processo necessário à regeneração da fibra muscular. De fato, inibir a ativação de macrófagos e a infiltração desta e de outras células do sistema imune através de condutas anti-inflamatórias, impossibilita a secreção de citocinas e de fatores de crescimento que são necessários para ativação de células satélite que participam diretamente dos processos de regeneração e adaptação das fibras musculares.
Ainda precisa ser esclarecido o impacto da crioterapia após lesões por “overuse” já que interferir no processo inflamatório pode ser mais deletério do que deixar o organismo solucionar a situação por meio de descanso e alimentação.
Roger de Moraes
Ex-triatleta Profissional, Professor de Fisiologia Geral
Doutor em Ciências com Pós-Doutorado no Laboratório de Investigação Cardiovascular do Instituto Oswaldo Cruz – Fundação Oswaldo Cruz
@demoraesroger