A diminuição das reservas corporais de glicogênio muscular (carboidrato armazenado no músculo) e hepático (carboidrato armazenado no fígado) é fator importante no desenvolvimento da fadiga. A ingestão de carboidratos (CHO) durante eventos com duração maior que 1 hora se faz necessária e deve seguir algumas recomendações importantes. Porém, o que se vê na prática é o total descaso com a estratégia de ingestão de carboidratos por partes da maioria dos atletas (isso quando esses têm uma), conforme podemos observar nos inúmeros casos de hipoglicemia durante corridas e esforços cuja a duração ultrapassa esse tempo.
Isso colocado, o que pode ser feito para evitar esse indesejado estado? Durante esforços prolongados ocorre aumento da taxa de oxidação desse substrato (CHO) que é de vital importância na manutenção da intensidade do esforço num determinado período de tempo (> que 1 hora). Assim, os benefícios dessa ingestão no aumento e/ou manutenção do desempenho são obtidos por meio do aumento ou manutenção da concentração de glicose sanguínea (glicemia) e pela manutenção da elevada taxa (velocidade) de oxidação do CHO pelo músculo ativo. Entretanto, devemos nos ater ao tipo de CHO presente na mistura, bem como na quantidade, frequência de ingestão e diluição, que são de suma importância para que o atleta obtenha tais benefícios.
O Ciclismo de endurance, caracterizado por um tempo prolongado de esforço, induz a adaptações profundas em vários sistemas fisiológicos levando ao aumento da taxa de oxidação (utilização) dos substratos energéticos, principalmente o carboidrato. Quando comparamos um ciclista bem treinado com um ciclista pouco treinado ou um sedentário, o primeiro oxida menos carboidrato e mais gordura durante o esforço físico, na mesma intensidade absoluta, ou seja, na mesma potência absoluta ou taxa de consumo de oxigênio (VO2), e possivelmente, também, na mesma intensidade relativa de esforço. Isso implica em dizer que os atletas menos treinados irão necessitar de maior consumo de carboidratos durante o percurso do L’Etape Brasil, quando comparados com os bem treinados. Não menos importante do que isso, a ingestão de líquidos e de sais minerais (principalmente o sódio) são, também, fatores limitantes para o desempenho esportivo, e a falta desses pode causar efeitos negativos para a saúde e performance humana.
É sabido que o excesso da ingestão de carboidratos e de água, durante o esforço intenso e prolongado, resulta em perda do desempenho e aparecimento de sinais e sintomas indesejados, que se igualam à falta da ingestão dos mesmos. Como exemplo da importância do consumo de carboidratos e líquidos durante o esforço físico, podemos mencionar um artigo de 2004, publicado na revista Nutrition, que revela haver aumento de 20 para 50% na oxidação de carboidratos quando combinamos a ingestão de dois tipos de carboidratos (na mesma solução – ie. Glicose + Frutose) em comparação com a ingestão de apenas glicose. Essa eficiência na oxidação, além de permitir maior disponibilidade de substrato para o musculo ativo, faz com que haja maior absorção desse nutriente, diminuindo problemas gastrointestinais. Adicionalmente, outro estudo (publicado na American Physiological Society, 2000) mostrou que a ingestão combinada de água com carboidratos durante 110 minutos de ciclismo intenso aumentou a potência neuromuscular máxima, o que não foi obtido ingerindo apenas água ou só carboidrato.
Assim, no sentido de proporcionar uma competição agradável e saudável a todos os participantes do L’Etape Brasil 2015, venho através desse texto dar dicas quanto à ingestão de carboidratos, líquidos e sódio, conforme indico abaixo:
Três dias antes da competição (quinta, sexta e sábado):
• Aumente o sal na dieta. Lembre-se, você não é um Camelo, portanto não é capaz de armazenar água. A única forma de fazer isso é aumentando a ingestão de sódio (presente no sal de cozinha) e carboidratos. Isso aumentará o seu conteúdo de glicogênio muscular (energia para o exercício) que é armazenado com moléculas de água dentro do músculo, ou seja, para cada grama de glicose, quatro gramas de água são adicionadas formando o glicogênio muscular, por exemplo. Por isso ficamos mais pesados após o “carregamento” (Load) de carboidratos dias antes da prova;
• Evite alimentos crus e aqueles que você não está costumado a comer;
• Tome água de procedência conhecida e evite gelo na sua bebida.
• Aumente o consumo de carboidratos sem fibras na sua dieta (ex. macarrão, batata, mandioca, tapioca, pão branco etc..);
• Aumente a ingestão de carboidratos na forma líquida (ex. suco de laranja, carboidratos líquidos-suplemento);
• Não coma em excesso numa só refeição, e sim distribua o aumento da ingestão de carboidratos ao longo das refeições do dia;
• Recomenda-se a ingestão de 8 a 10g de Carboidrato por kg de peso corporal/dia. No entanto, não force o seu organismo a ingerir mais carboidrato além da quantidade que o mesmo tolera. Isso é particular e individual. Dessa forma, a ingestão menor já irá resolver 5 a 7g/kg/dia. Não cause transtornos gastrointestinais ao seu organismo.
Antes da competição (Domingo):
• Acorde 3:30h antes da competição;
• Ingerir carboidratos na proporção de 1 a 2g/kg/peso, 3 horas antes da largada da prova. Essa ingestão poderá ser feita com a combinação de alimentos sólidos (batata, purê de batata ou mandioquinha, pão branco, frutas, torradas ou biscoitos sem gordura) e líquidos (suco de frutas, geleia de frutas e carboidratos/suplementos). Adicione sal ao seu alimento sólido;
• Uma hora antes da competição, poderá ser ingerido carboidrato na forma de suplementos (líquido ou gel), por volta de 0,8 a 1,0g/kg/peso corporal. Sempre diluído para no máximo 10% ou em 500 a 800 ml de água. Nesse momento, indico a ingestão de sódio, por volta de 280 a 390 mg (Cápsula ou saché de 1g de sal). Se você sua muito sódio (evidenciado na sua roupa de treino como manchas brancas), poderá ingerir até o dobro dessa dose. A ingestão de sódio deverá vir sempre acompanhada de líquidos. Nesse caso 500 a 1000 ml;
• Dependendo do atleta e da sua adaptação à ingestão de carboidratos, imediatamente antes da competição poderá ser ingerido 1 gel (20g a 50g de carboidrato, dependendo do tamanho corporal de cada atleta) com água 250 a 500 ml.
Durante a prova:
• Fique ciente dos postos de abastecimento e hidratação que a prova fornece aos participantes, assim como, com o tipo de bebidas e alimentos que serão oferecidos nos mesmo. Trace a sua estratégia de alimentação e hidratação conforme a orientação do seu nutricionista ou siga as dicas aqui expostas;
• Ingerir entre 0,8 a 1,6g de carboidratos/kg/hora, diluídos em uma solução entre 6 a 10%. Na primeira hora, ficar em 0,8 g/kg a 1,0 g/kg/h, depois, ir aumentando o consumo gradativamente sem ultrapassar 1,6g/kg/h. Vale lembrar que a mulher utiliza menos carboidrato relativo quando comparada ao homem, e, portanto mais gordura como fonte energética. Dessa forma, a recomendação para mulher pode ser a mesma no início 0,8g/kg/h, mas deverá ficar em média por volta de 1,0 a 1,2g/kg/hora. Não devemos esquecer que atletas mais treinados irão consumir menos carboidratos que atletas menos treinados;
• Além de carboidratos líquidos e gel, deve-se adicionar a ingestão de alimentos sólidos como bolachas/biscoitos salgados (Palitos Stick – aqueles com sal grudado; bolacha clube-social; sanduiche – pão branco sem casca sem fibra, com queijo cottage em pasta, sal, azeitona sem caroço e um pouco de azeite). Esses alimentos deverão ser ingeridos, pelo menos, na metade da prova em diante;
• Para diluição de alimentos sólidos utilize apenas água;
• Se for o caso, é conveniente dar uma parada de no máximo 5 minutos na metade da prova ou em algum outro posto de abastecimento mais para frente, com o objetivo de comer mais e se hidratar adequadamente. Isso porque alguns atletas tem muita dificuldade de fazer isso durante o esforço, principalmente os menos treinados. Essa pausa não irá causar prejuízo no seu tempo final, e sim poderá lhe salvar de uma possível fadiga; (“quebradeira”) na última perna (30 km) do percurso;
• Ingerir 1 cápsula de sódio a cada hora de esforço. Isso porque o percurso é duro e o clima será extremo (Calor). Faça isso consumindo sempre com 250 a 300 ml de água ou líquido, nó mínimo;
• Não se esqueça de que quanto maior a intensidade e duração do esforço, maior será a sua necessidade de ingestão de carboidrato e líquidos;
• A ingestão de líquidos deverá ser realizada em grandes goles, aproximadamente 250 a 300 mL, isso favorece o esvaziamento gástrico e, portanto, a melhor hidratação. Deixe programado o alarme do seu relógio para tocar de 30 em 30 minutos a fim de regular a sua ingestão; no entanto, maiores quantidades de líquidos poderão ser ingeridas ao longo do percurso, e isso irá depender de fatores como tamanho corporal, intensidade do esforço, umidade relativa do ar e calor, podendo chegar a 2 litros por hora, em alguns casos;
• A ingestão de líquidos com carboidratos ou de gel com água deve ser treinada pelo atleta para que este consiga ingerir o volume necessário sem apresentar mal estar, ou seja, a bebida deve conter menores concentrações (5-7%), que serão aumentadas após o treinamento e melhor adaptação (10-12%);
• Treine e aprenda a ingerir grandes quantidades de líquidos se você vai competir em clima quente e úmido. Imediatamente após a prova
• Após o exercício a ressíntese de glicogênio muscular é maior se o carboidrato (CHO) oferecido for rapidamente digerido e absorvido, assim, devem ser priorizados alimentos com índice glicêmico de médio para alto (ex: espaguete, laranja, pão branco, suco de fruta (uva e laranja), batata, arroz branco, mel). Evite fibras;
• Deve-se priorizar a ingestão de carboidratos nas primeiras horas após o exercício físico para recuperação mais eficiente dos estoques de glicogênio;
• A ingestão de líquidos à base de CHO e eletrólitos, após o exercício, com 0,9g a 2g de sódio/l aumenta a retenção hídrica para 70 a 80%, assim, atletas devem consumir aproximadamente 150% do total de líquidos perdido durante a sessão de treinamento (ex: se você perdeu 2 kg durante a competição, deverá, então, ingerir 3 litros ao longo período pós-exercício);
• O aumento da temperatura corporal durante o exercício causa anorexia temporária no pós-exercício, prejudicando o processo de reposição de carboidratos na forma sólida. Deve-se ingerir carboidratos na forma líquida (6g/100ml) para reposição adequada dos estoques perdidos. A relação de 4 partes de carboidrato para 1 parte de proteína (4:1) é a mais adequada para recuperação no período pós-esforço. Aproveitem a prova e divirtam-se. Eu estarei lá alinhando para a largada com vocês. Go Hard or Go Home…
Reinaldo A. Bassit (PhD) – Tubarão Nutricionista e Prof. de Educação Física Mestre e Doutor em Ciências Institute of Biomedical Sciences University of São Paulo E-mail: tubaraousp@sti.com.br