Entrevista: Diogo Sclebin

Ele tem 37 anos e é o triatleta mais experiente do atual Circuito Mundial da ITU, com 120 largadas oficiais. Tricampeão brasileiro, tetra Sul-Americano e com duas participações olímpicas e três em Jogos Pan-Americanos, Diogo Sclebin conta nessa entrevista que chegou a hora de correr também as longas distâncias.

De fevereiro do ano 2000, quando começou no triathlon, até os dias de hoje, quais as principais mudanças que viu no nosso esporte?
O esporte evoluiu muito, pois o triathlon é muito novo. Eu que estou no Circuito Internacional desde 2008, vi muita evolução. Antigamente a tática era nadar na esteira, se poupar no pedal e sair para correr forte no final; hoje em dia mudou, pois desde a chamada “Era Brownlee”, um pouco antes das Olimpíadas de Londres 2012, que temos que estar no pelotão da frente o tempo inteiro, já que o ritmo está muito forte desde a natação. Eu que iniciei no triathlon com 17 anos, sem ter uma natação muito boa, hoje em dia não teria espaço para começar, pois já seria considerado velho, gigante, maduro e com idade ‘avançada’. Há 20 anos isso era possível, hoje não é mais… o nível está muito forte e não tem mais essa coisa de sair da água vindo de trás e ‘buscar’. Ou você está na frente, ou você não está na prova! Não há mais chance de recuperação. Hoje eu vejo que tenho performances que não estão aquém do que tinha no passado, mas que já não são suficientes para ter resultado numa etapa do Circuito Mundial. Recentemente, por exemplo, na World Cup Lima em distância Sprint (750mts de natação/20km de ciclismo/5km corrida), corri os 5km para 15’27”, mas quem venceu correu para 14’10”, que foi nosso companheiro de equipe, o Manuel Messias. Ou seja, eu não fiz uma corrida ruim, depois de nadar e pedalar forte (até com uma fuga no final do pedal com o Reinaldo Colucci e um atleta japonês), mas fiquei em 24º lugar. Antigamente isso me daria um em Top 5 ou Top 10 na prova, hoje não… Na minha frente, num espaço de dez segundos, haviam sete atletas, o que já me daria em 17ª colocação. Essa é a realidade, com todos os atletas chegando muito próximos. Há alguns anos o 20º atleta saia da água dois minutos atrás, por exemplo, hoje em dia saem 50 atletas dentro do mesmo minuto.

E sobre o perfil dos praticantes, o que mudou?
Hoje existem mais praticantes da modalidade, mas mudou o perfil, já que são pessoas mais maduras, estruturadas financeiramente, que trabalham num emprego formal e não têm como objetivo ser um triatleta profissional. Por um lado é bom, pois temos um número expressivo de triatletas nas distâncias longas, mas que diminuiu bastante a chance de termos triatletas profissionais no Brasil. Antigamente as competições no Brasil davam premiação até o 10º colocado e era difícil conquistar um Top 10. Hoje o calendário está bem reduzido para os profissionais e, por exemplo, já seria considerado um resultado ruim chegar em 6º no Internacional de Santos, pois só largam sete… Antigamente era difícil ficar entre os 10 primeiros, pois existia boa premiação até esta posição e sempre vinham atletas estrangeiros, e isso mudou! Muitas vezes a premiação do 4º colocado numa prova deste calibre não paga a viagem. Isso dificulta o surgimento de atletas profissionais no Brasil. Na corrida de rua, por exemplo, eu venci a Corrida das Estações, aqui em Minas Gerais, com 5.000 inscritos, correndo os 10km para 32’ e abrindo um minuto para o 2º lugar, e não foi porque eu corri muito! Foi porque não haviam corredores fortes mesmo, pois a prova não dava dinheiro, então não há o interessem em ser atleta profissional. A própria equipe de corrida do Cruzeiro, que seria uma das mais fortes do Brasil, nem existe mais… Eu vejo dois nomes fortes no Triathlon Masculino, o Miguel Hidalgo e o Manoel Messias, mas a geração é escassa. Vejo pouca gente para preencher um pódio de Top 10 aqui no Brasil , pois muitas vezes não temos nem oito atletas profissionais na largada.

Apenas dois anos após iniciar no triathlon você já começou a largar como profissional, no TBT em Santos. O que te motivou a tomar essa atitude?
Nisso o triathlon ajuda muito, pois podemos ter acesso a estar perto dos melhores atletas da modalidade, largando na mesmo percurso que eles. Coisa que não acontece em outras modalidades. No Judô, por exemplo, um faixa branca jamais lutará com um faixa preta. No triathlon, você pode até chegar uma hora depois do campeão, mas vai vê-lo no mesmo percurso que você, então desde cedo você consegue se comparar com os melhores, e isso ajuda muito para quem quer ser profissional da modalidade. Então isso auxiliou muito na minha carreira, pois eu largava como amador e, no Troféu Brasil de Triathlon, no final de 2001, eu já vencia minha faixa etária, sendo que das nove provas que fiz, venci oito e na outra fiquei em 2º lugar. Então eu acreditei que levava jeito para isso e já decidi que iria largar no Profissional na competição seguinte, o Internacional de Santos de 2002; foi bom, pois tomei logo um vareio, saindo atrás da água e mal conseguindo buscar uma ou outra atleta da categoria feminina. Isso foi positivo, pois já tive a oportunidade de me comparar com os melhores e perceber o quanto ainda teria que melhorar. Isso é necessário para quem quer ser profissional. Eu ainda não tinha pretensões de realmente ganhar dinheiro com o triathlon e dele fazer o meu sustento, mas já havia em mim o comprometimento desde cedo, algo que me foi passado pela minha primeira treinadora, a Marcia Ferreira, que sempre me ensinou de modo simples e sem frescura que, faça chuva ou sol, o que foi planejado tem que ser cumprido, e isso eu encarei desde cedo com profissionalismo, mesmo que não fosse profissional de verdade, com renda proveniente do esporte.

Até o triathlon entrar na sua vida, que profissão tinha em mente de exercer no futuro?
Eu entrei na Faculdade de Educação Física quase ao mesmo tempo que iniciei no triathlon, me formei e pretendia ganhar dinheiro como professor, mas ainda sem a pretensão de ser atleta profissional, pois quando iniciei de PRO, não via claramente isso como uma fonte de renda, e acabou sendo uma caminho natural. Só mais à frente fui ver que poderia ganhar a vida com o triathlon. Hoje em dia, inclusive, quando vou a Rio de Janeiro visitar a família, minha mãe chega nessa conversa, de ‘o que você vai fazer para ganhar dinheiro?’ Até hoje ainda tenho que responder isso… É uma pergunta difícil… Eu tenho consciência que em breve não terei mais recursos financeiros oriundos do esporte profissional, então já estou programando uma mudança de atitude para em breve já estar fazendo outras coisas. De momento já estou lançando alguns vídeos mas mídias sociais e tendo alguns alunos, mas ainda sem a pretensão de ter muitos, por enquanto, pois ainda serei triatleta profissional por mais tempo. Pretendo fazer coisas que me gerem renda, mas que também impactem positivamente as pessoas, fazendo conteúdos onde possa ser útil, passando toda bagagem que adquirir como triatleta profissional. Foi algo que mantive reservado durante minha carreira, pois precisa estar focado nela, portanto eu não tinha a visão, capacidade e tempo disponível para ensinar os outros e passar meus 20 anos de experiência. Eu sinto que tenho o dever de passar isso adiante. O que é básico pra mim, pode não ser para outras pessoas, então é importante eu propagar esse conhecimento, fazendo uma engenharia reversa de desmontar tudo e mostrar aos que buscam por isso qual o caminho a seguir, seja desde como montar uma bike após tirá-la do case numa viagem, onde não vai haver ninguém para te ajudar, como coisas ainda mais primordiais.

Hoje você tem 37 anos, casado e pai de três filhos. Como é sua rotina do dia a dia quando está em casa?
Hoje meus filhos são a minha motivação principal em continuar competindo como atleta profissional. O menorzinho, principalmente, quase não me viu competir. A rotina é puxada por causa da rotina da criançada. Eu não tenho uma carga horária de treinos expressiva e sei que treino pouco volume, somado a isso, grande parte da vida de um atleta profissional é destinada ao descanso, mas é difícil isso acontecer comigo, pois estou o tempo todo ocupado com eles quando estão em casa. Até para estudar inglês é difícil! Então, apesar de contribuirem bastante na performance por serem meus principais motivadores, mesmo que não saibam, eles também me cansam muito. Além disso, já não sou mais tão novinho… Hoje eu sou o atleta mais velho no Circuito Mundial, com 37 anos e 120 participações em provas oficiais da ITU, o que é raro e expressivo. Apesar de treinar a maior parte do tempo sozinho ser ruim, a vantagem é que tenho total controle sobre meus horários e uma boa flexibilidade por isso. Em outros esportes isso não é assim, pois precisam do grupo. A piscina que nado fica no meu condomínio, pra correr e pedalar, saio de casa já fazendo, sem precisar pegar carro, então isso me ajuda muito.

Você participou de dois Jogos Olímpicos, uma honra para poucos atletas no mundo. Como diferencia as duas participações e quais as melhores recordações de ambos eventos?
Às vezes eu tento até mudar meu discurso, pois as pessoas me perguntam cheias de entusiasmo sobre minhas participações, e como eu não tive as colocações que desejava, ficando em 44º em Londres e 41º no Rio, eu acabo por lamentar. Se eu tivesse ficando entre os 25 primeiros, que considero uma boa classificação, eu estaria mais feliz, pois estariam de acordo com uma excelente performance. Independente disso, é uma experiência única e foram as duas principais competições da minha carreira, mesmo não vindo a medalha. O êxito de estar ali é como a cerimônia de um casamento, que sela toda uma vida em conjunto e uma família que vai ser criada. A prova dos Jogos Olímpicos é um dia só, mas que coroa toda a carreira de sucesso de um atleta. É a expressão disso.

Como está sua programação para a busca da classificação aos Jogos de Tóquio 2020?
Eu quero muito ir para Tóquio 2020, mas esbarro numa questão financeira para a aquisição da vaga, além de um desinteresse diante do regulamento. O que mais motiva um atleta é a vitória e o tesão por competir e evoluir, quando o negócio começa ficar muito profissional e envolver outras pessoas, muitas vezes se torna obscuro e o interesse e grana de cada um acaba se tornando influenciador nas decisões. A dificuldade em conseguir patrocínio para competir o Circuito Mundial é muito grande, pois hoje dependemos da CBtri para tal; fora isso, se formos bancar as próprias viagens, o valor anual giraria em torno de R$ 250.000,00, pois envolvem vários países da Europa, bem como China, Arábia Saudita, Nova Zelândia, Austrália etc. O custo do atleta vai aumentando de maneira exorbitante e é diferente do Ironman Hawaii, por exemplo, que é uma prova por ano. No caso da ITU, é um Circuito de provas, então conseguir um valor dessa grandeza no Brasil é difícil, além de que, perde um pouco o sentido, pois a vaga olímpica que o atleta abre é para o país, ou seja, ao final de todo o processo, o patrocinador não terá a certeza de que o atleta que ele investiu, mesmo sendo o que conquistou a vaga, será o representante escolhido pela Confederação.

Se fosse possível, que conselho daria para o Diogo Sclebin, de 18 anos, que pedalava pelas madrugadas no Aterro do Flamengo, no RJ, e iniciava sua vida no triathlon? Faria algo diferente?
Eu não sei o que eu faria diferente ou que conselho daria, pois mesmo as experiências mais dolorosas serviram muito como aprendizado. Na minha vida de provas na ITU, eu deixei de completar apenas quatro e, em todas, eu tenho experiências negativas e positivas. Madri, por exemplo,

Por sinal, tem saudades de pedalar na madrugada, no Rio, com a equipe da Marcia Ferreira, sua primeira treinadora?
Sinto falta do “Aterrão” sim! Do Aterro e da Urca, onde eu dava treino de Biathlon para a molecada no mar e corrida na pista de Atletismo do Exército. Gostava muito, apesar do horário ingrato, pois acordávamos muito cedo, às 3h40, para às 4h já estar na rua pedalando. Tenho saudade da Equipe da Marcia, inclusive meu irmão tem pedalado bastante com eles.

Qual o treino que mais gosta de fazer e qual o que menos gosta?
Sem dúvida, o ciclismo, mas não tanto no Brasil, principalmente quando estava em Portugal, pois em Rio Maior, onde a Seleção Brasileira “morou” por vários anos, é muito bom para treinar, por diversos fatores. A natação é o mais chato, mesmo eu tendo uma boa estrutura, podendo nadar no meu condomínio, são os treinos mais sofridos emocionalmente.

Tem algum ídolo ou atleta do triathlon que admire?
Um cara que admiro muito é o Reinaldo Colucci, pela performance na prova curta e longa, mas não só por isso, e sim pela atitude. Nós já viajamos muito juntos para competições, então o conheço muito bem. Eu costumo dar entrevistas e participar de “lives” e o público em geral costuma perguntar qual o tempo que faço, por exemplo, num tiro de 1000mts nadando, ou nos 5km de corrida… Isso são números irrelevantes, que nem retratam muito a realidade das competições. Algumas pessoas deixam de analisar a atitude do atleta, e não percebem que o quê o faz campeão é a forma como se posiciona diante das frustrações, no seu dia a dia, o que ele prioriza, e não a forma do quadríceps dele. Então o Reinaldo me agrega muito, e consigo aprender muito com ele, pois sempre se importa com detalhes que fazem a diferença numa prova de alto nível.

Que conquistas destaca como as principais que já teve?
Duas participações em Jogos Olímpicos e três em Jogos Pan-Americanos, três títulos brasileiros e quatro Campeonatos Sul-Americanos, mas pra mim, mais importante que os títulos, é a regularidade desses meus 20 anos de prática.

Você se vê participando também de provas de Ironman e Ironman 70.3 no futuro?
Pretendo sim. Inclusive, em breve, dependendo de como estiver a “Corrida Olímpica” para Tóquio, vou fazer provas de Meio Ironman, mas quero mais ainda as de Ironman. Já estou em contato com meu patrocinador, a Sense Bikes, para me mandar uma bicicleta de contrarrelógio. Eu tenho vontade de já largar no próximo Ironman Brasil, mas vamos com calma, pois eu ainda sou atleta de curta distância e da Aeronáutica e minhas principais entradas financeiras vêm deste meu compromisso nesta distância.

Você tem publicado ótimos vídeos nas mídias sociais, passando seu conhecimento e experiência; ser treinador é o que pretende fazer após parar com o triathlon profissional?
É algo que já faço, mas ainda sem dar total foco a isso, tanto que nem quero ter muitos alunos por agora. Por enquanto o caminho são as mídias, com vídeos e conteúdos on-line, onde posso passar todo meu conhecimento e expertise de como chegar a estar na 1ª colocação.

Que dicas pode dar para um jovem que pretende ser profissional do triathlon e, quem sabe, como você, se tornar um atleta olímpico?
Vá em frente. É gostoso! Não é lucrativo financeiramente, mas tudo que vivenciei com o esporte até hoje é bem expressivo. Tenho 37 anos e já visitei 34 países e isso é bem legal. Toda a bagagem adquirida vai ser muito útil em tudo que fizer na vida. O esporte te obriga a sair da zona de conforto para ter um êxito, e isso é bem interessante, pois te faz ser melhor como pessoa.

BIO
Nome: Diogo Sclebin
Idade: 37 anos
Cidade onde nasceu: RJ
Cidade onde vive: Nova Lima MG
Tempo de triathlon: 20 anos (desde fev/2000)
Altura: 1,90m
Peso: 81kg
Roupa de borracha: zone3
Óculos de natação: Decathlon
Bike: SENSE Vortex
Capacete: Garneau
Sapatilha: Shimano
Tênis de corrida treino: Asics Pulse
Tênis de corrida competição: Asics hyper tri
Óculos de sol: HB
Equipe/Treinador: Lauter Nogueira
Patrocínio: Sense, Micci Criativa, FAB.
Apoio: Açaí Fresh, Cultura Inglesa, Giro Sport Center, ASL

Redação

press@trisportmagazine.com