EPIGENÉTICA, A ENCRUZILHADA ENTRE A GENÉTICA E O EXERCÍCIO

Quando se trata de treinamento, seja para atletas, seja para indivíduos com quadros delicados de saúde, não há receita de bolo

Por Eduardo Figueiredo

Quantas vezes eu escutei pessoas resumirem o sucesso de um atleta a essa frase: ‘Ahh, mas a genética dele favorece’!

De fato, o fator genético tem bastante relevância nisso. Uma boa herança genética pode sim ser um fator importante, essa herança pode fazer com que um indivíduo possa ter maior facilidade em desenvolver processos biológicos que irão melhorar o desempenho dele durante uma prova. Mas, não é somente a genética que impacta no desempenho do atleta. Então, se mudarmos a frase para: ‘Mas a genética e epigenética dele favorece’. Faria sentido para você?

Mas o que seria epigenética? Isso é um assunto bem complexo, mas serei prático em minhas explicações. Quando você realiza uma sessão de exercício, muitas coisas acontecem no seu corpo durante e após a sessão de treino. Para que ocorra adaptações fisiológicas e moleculares ideais, é necessário um componente chave nesse processo, a expressão gênica. Os genes carregam as informações (herdadas) específicas para a produção de RNAs e proteínas que exercerão papel na sinalização celular. A epigenética consiste em mecanismos que irão controlar a expressão gênica da célula sem alterar a estrutura do DNA e, dessa forma, ditar a direção que aquela célula vai tomar. E o mais importante, esses mecanismos são influenciados por fatores ambientais como dieta e exercício, causando mudanças estáveis na expressão gênica (o que hoje tem sido chamado de ‘assinatura epigenética’).

Um bom exemplo para entendermos essa complexidade, são os gêmeos monozigóticos (idênticos) que compartilham o mesmo genoma, ou seja, possuem o mesmo código genético. Como foi observado por vários estudos, esses gêmeos desenvolviam condições de saúde e doenças distintas na fase adulta. Agora pensem, se a genética fosse predominante, esses gêmeos teriam que desenvolver as mesmas doenças em todos os níveis, correto? Isso quer dizer que, mesmo duas pessoas idênticas (no caso dos gêmeos) podem ter características diferentes ao longo de suas vidas, e que de alguma forma algo acontece além da genética.

É através das modificações epigenéticas (metilação do DNA, modificações pós-traducionais de proteínas histonas e expressão de RNAs não codificantes) que a assinatura epigenética individual denominado ‘Epigenoma’, governa a ativação ou silenciamento de genes do DNA, contribuindo para a variação não genética do fenótipo. Esse ponto é bastante importante, pois ligar e desligar genes alvos é o que vai dizer qual rumo a célula tomará, e isso terá bastante impacto não somente em toda adaptação fisiológica ao exercício, mas também como já vem sendo mostrado por um grande corpo de evidências, o de impactar no risco de desenvolvimento de doenças crônicas como diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e até mesmo câncer.

É bem reconhecido que o exercício induz uma ampla variedade de adaptações moleculares em vários tecidos, que por sua vez, levarão a mudanças funcionais tais como adaptações cardiorrespiratórias, aumento dos níveis de força muscular, metabolismo e resistência. A epigenética tem se tornado uma grande promessa para explicar fenômenos relacionados às adaptações ao exercício. Como explicar, por exemplo, a variabilidade interindividual? Termo que se refere a observação de que, após o treinamento alguns indivíduos melhoram significativamente sua aptidão física (chamados de ‘Respondedores’), enquanto outros demonstram apenas limitadas melhorias (Não-respondedores). E mais importante, os padrões desses mecanismos epigenéticos mudam rapidamente dependendo da intensidade e duração da atividade, como observado em uma sessão de exercício aeróbico intenso, onde regiões específicas de genes importantes no metabolismo do exercício (entre esses o PGC-1alfa, um fator reconhecidamente envolvido no metabolismo mitocondrial oxidativo) foram expressamente aumentados, e curiosamente, 3 horas após a sessão de exercício a expressão dessas regiões e seus respectivos genes foram diminuídas, mostrando a resposta dinâmica ao exercício no músculo esquelético. Da mesma forma, as modificações epigenéticas podem ser também estáveis se o exercício fizer parte do estilo de vida da pessoa. No caso do exercício regular (crônico), as mudanças epigenéticas constroem uma memória no músculo esquelético, que tem como principal característica a capacidade do músculo em responder ou se adaptar de forma diferente a estímulos do exercício previamente exposto.

Portanto, o músculo pode ser programado e ‘pode’ lembrar vários estímulos enfrentados durante a vida. Em particular, o músculo pode reter informações após um determinado estímulo/estresse, a fim de ser preparado para o próximo desafio. Esse comportamento é sustentado por distintos mecanismos moleculares, o qual a epigenética é fundamental. No contexto do exercício, após o estresse, essa ‘epi-memória permite não só que o músculo responda mais rapidamente, mas também funcionalmente de forma diferente ao treino (estímulo) que já foi experimentado no passado.

Quando se trata de treinamento, seja para atletas, seja para indivíduos com quadros delicados de saúde, não há receita de bolo. Por isso, a importância da individualização do treinamento, pois é muito provável que a “história" individual de uma pessoa, especificamente seu estilo de vida, mas também provavelmente experiências emocionais e físicas, moldaram seu epigenoma durante a vida – e que essa “memória" epigenética determina a reação dessa pessoa a um estímulo de treinamento específico no presente.

Prof. Eduardo Figueiredo
Graduado em Educação Física
Especialista em Fisiologia do exercício
Mestrando em Oncologia – PPGO / CPQ – INCA
Professor de ciclismo da equipe Cordella team
Professor da clínica de reabilitação cardíaca MEDSPORT
Personal trainer
@prof.edu_figueiredo

 

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