Férias da tecnologia

Em mais uma matéria sobre a percepção de esforço aproveite as dicas para não cair numa armadilha nas provas e nos treinos

A tecnologia avança e a cada ano novos recursos são incorporados ao treinamento esportivo.

Hoje, podemos ter acesso a muitas métricas que ajudam na prescrição, acompanhamento e avaliação dos treinos: potência média, potência normalizada, watts, PWHR, HRV, stifness, tempo de contato com solo, oscilação vertical e por aí vai.

Certamente, nós treinadores precisamos estar atualizados e utilizá-las como “material de apoio” ao nosso trabalho, cruzando dados e permitindo uma maior gama de informações sobre o atleta.

O problema é quando o atleta torna-se obstinado e refém da tecnologia. Se o treino não “subir” para o relógio ele xinga o treinador. Na hora de pedalar, só consegue pedalar no rolo se usar o zwift e, se relógio não der “lap” automaticamente, se perde nos estímulos. O atleta também não sabe suas zonas de frequência cardíaca ou pace porque ele está na dependência do relógio avisar se estiver treinando fora da zona proposta. Na verdade, bom seria se o relógio também treinasse por ele (rss).

Muitas vezes esse comportamento é reflexo do treinador que esquece a importância da percepção de esforço para a evolução consistente.

A maioria dos atletas amadores não sabe (e nem quer) treinar por percepção de esforço, perdendo uma boa oportunidade para conhecer seus limites e parâmetros fisiológicos.

A ciência mostra que as escalas de percepção de esforço bem aplicadas apresentam resultados muito próximos do esforço real. Conhecer nosso corpo, suas sensações e o que significa estar pouco ou muito ofegante, são parâmetros atemporais e não ultrapassados.

Se eu fechar os olhos e “ouvir” o meu corpo, sei exatamente se meu coração está a 150 bpm ou a 170 bpm, sem precisar ficar o tempo todo vidrada no relógio. Sei quanto tempo consigo sustentar aquele esforço sem meu relógio precisar apitar. Claro que isso demanda tempo e autoconhecimento, mas nada que é rápido e instantâneo tem muita consistência.

E para que isso é importante? Já parou para pensar que numa prova não tem Zwift? Que o relógio pode não funcionar, a potência não marcar, o gps ficar maluco??? O que você faria? Abandonaria a missão e diria “não quero mais brincar”?

Em um dos meus estágios com Brett Sutton, maior treinador de triathlon de todos os tempos , entendi algo sábio. Ele é um pouco avesso a tecnologias exageradas porque o atleta amador já lida o dia todo no trabalho com números, gráficos, estimativas, etc . Chega no treino, que deveria ser seu momento de relaxar, ele continua “sob pressão” e ao invés de curtir o “flow” do momento, fica aficionado em mais e mais números: o treino vira mais um ponto de tensão diário na sua vida, podendo deixar de ser prazeroso.

Claro que a tecnologia deve ser nossa aliada, ainda mais quando objetivamos melhorar a performance, um podium, uma vaga. Porém é preciso saber o momento de deixar o relógio em casa, desligar o zwift, esquecer a NP,TSS, IF, TSB, HRV e simplesmente curtir a delícia que é treinar pelo simples fato de lhe fazer mais feliz!

Desafio você nessas férias a treinar sem relógio, seguindo os parâmetros leve, moderado, forte e exaustivo. Aprenda a conhecer os sinais do seu corpo e curta o momento do treino. Sem pressão, sem cobrança. Apenas pelo prazer de praticar esporte. Garanto que você iniciará 2022 mais revigorado, descansado mentalmente e com maior autoconhecimento para a próxima temporada!

Boas férias e bons treinos!

Thelma DAmelio
Treinadora Navastri
Cref 010291-G
Especialista em Fisiologia do Exercício, Triathlon e Treinamento Esportivo
Graduanda em Nutrição

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