Inside: Fatiando a piscina!

Aprendi a nadar ainda criança, ideia da minha mãe. Mas nem de longe era a minha atividade favorita. Aprendi apenas o suficiente para não morrer afogado. O tempo passou, conheci outros esportes, até que voltei para a natação, agora com um olhar diferente em função de eu ter escolhido o triathlon para me dedicar.
Isso quando eu tinha 15 anos.

E, ao olhar para a natação, o que vi?
Um longo caminho pela frente. Por muito tempo, eu treinei naquelas raias junto da parede, onde ficam os nadadores mais lentos. Para quem queria ser triatleta, eu soube desde o início que precisava melhorar batante a minha natação. Além de buscar bons treinadores e me desafiar constantemente, desenvolvi um gosto pelos educativos, pelo treino de técnica, aqueles exercícios em água – ou fora dela – para os quais a maioria não tem muita paciência.

Corta para hoje, 2016, às vésperas de meu oitavo Ironman e com uma capacidade de nadar os 3,8km junto do grupo de ponta na Elite. Olho para trás e não me arrependo! Investir na sensibilização do corpo, do gesto, da mecânica foi uma decisão chave para mim. E mais: eu continuo aprimorando. Detalhes atrás de detalhes. Quais?

Antes, vale fazer aqui dois raciocínios.
O primeiro: por que motivo queremos melhorar a técnica? Para nadar mais rápido. Ok, mas não só isso. A intenção é nadar rápido e de forma econômica, sem desperdiçar “cartucho”, sem dispersar energia, ou seja, com eficiência, ampliando a nossa “zona de conforto”. Um nadador resistente e com fôlego, mas sem muita técnica, pode até chegar na frente de muitos, mas, em comparação consigo mesmo, fica aquém daquilo que poderia atingir se aprimorasse os detalhes que ignora na ânsia de superar a resistência da água apenaz na brutalidade. Além disso, o nadador irá cumprir a etapa da natação e não precisará pedalar e nem correr, enquanto o triatleta precisa ser econômico na água para não pagar no restante.

O segundo: por que, num belo dia, “inventaram” a técnica? O ajuste, a técnica nada mais são do que dicas, orientações a favor do movimento. A favor de um alinhamento, uma sinergia corporal que promova continuidade, que se retro-alimente. Quando isso acontece, “encaixamos”, atingimos a “velocidade de cruzeiro”, integramos: tudo, em nós, parece estar fazendo o que precisa fazer a favor daquele movimento (seja natação, ciclismo, corrida…). Treinamos técnica, portanto, para que essa sinergia se estabeleça com conforto, cada vez mais, até que o corretivo se transforma num gesto natural – a partir do qual se aflora nossa máxima potencialidade. O resultado? Tempos menores, mais velocidade, mais regularidade, menor incidência de lesões.

Há exercícios de técnica básicos, sobre as quais não se discute. São corretivos mesmo, é como adestramento. E há aqueles ajustes mais sutis, aprimoramentos, que vão variar de atleta para atleta quando este já atingiu um certo patamar dentro do seu esporte. Quero dizer que, a partir de um determinado ponto, não encaixotamos todos os atletas num padrão, no sentido de temquefazerissodessejeito.

A partir de um determinado ponto, no qual se supõe muita consciência corporal, percepção fina mesmo, os “educativos” ficam mais personalizados. O próprio atleta sabe o que funciona para ele, o que tem de melhorar, qual momento do gesto, no requinte do requinte, pode ajustar. Isso porque se tornou íntimo dessa sensação interna, esse fluir com o movimento, essa sinergia, essa “plataforma” confortável a partir da qual ele percebe um “horizonte” e o “sinal verde” para pisar no acelerador.

Partamos do óbvio: nadar não é apenas movimentar braços e pernas. Um óbvio que esquecemos, principalmente quando já estamos exautos. Há muito o que (auto)observar e sensibilizar: entrada de braçada, posição da mão e do cotovelo durante a fase submersa, finalização de braçada, giro de tronco, força de core (estabilidade do cinturão abdomen/lombar, evitando afundar), posição da cabeça (também na tomada de ar), direção da pernada (chute para baixo), mobilidade de tornozelo, número de braçadas até a virada, aproveitamento do deslize (ondulação), encadeamento das braçadas (um braço começa a puxar no exato instante que o outro começa a sair da água para a fase aérea), amplitude articular (alongar membros sem perder alavanca sobre a água)… Enfim, há muitos detalhes passíveis de ajuste e todos eles continuam ocupando minha atenção ainda hoje, mais de 15 anos depois de ter escolhido o triathlon e decidido encarar a natação de modo mais sério.

Nos longos treinos para uma prova de Ironman, meu compromisso com a manutenção da técnica, fazendo educativos em todas as caídas na água, até me ajuda a passar o tempo e vencer a distância de modo menos tedioso. Vou “fatiando” a piscina: por 50 metros faço isso, em outros 50 metros faço aquilo e assim vai. Em que momento coloco os educativos? No aquecimento e no final do treino, quando o corpo já está cansado. O objetivo é reestruturar, voltar a concentrar na mecânica, resistindo à fadiga e colocando muita consciência na eficiência de cada movimento, em cada parte do corpo.

Agora, mais próximo do Iron, procuro trabalhar mais a consciência do que fazer educativos propriamente ditos. Em nenhum momento abandono a consciência da técnica, mesmo durante uma série intensa.

Por fim, mais uma dica: observe o nado de quem o faz muito bem, de modo fluido, equilibrado, se fazendo valer (nitidamente) de todo o corpo para nadar. Fica ali, assimilando, memorizando a mecânica do gesto. Isso vai ajudar você a inCORPOrar o movimento. Durante os anos em que nadei junto à parede da piscina, eu não perdi a oportunidade de aprender com quem nadava nas raias centrais.

No próximo texto, vou comentar sobre a respiração, o controle da respiração. Tanto quanto qualquer outro ajuste fino, de braçada, pernada, posição do tronco ou da cabeça, controlar a respiração faz uma baita diferença na água. Gostaria de ter me dado conta disso bem mais cedo. Vejo muito pouco se falar no desenvolvimento dessa habilidade. Há pouca literatura também. Então, na sequência, vou compartilhar com vocês o que aprendi na prática.

Redação

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