O mar tira muito mais o psicológico do que dá o fisiológico para o atleta
Por Claudio Morgado
Se pegarmos, no mundo, a maioria dos triatletas e nadadores de águas abertas – principalmente os do Leste Europeu – sofre com a interferência das condições climáticas em seus treinamentos outdoor, exceções feitas ao Brasil e outros poucos países, ou seja, o treinamento, mesmo que seja para nadar no mar, lago, rio etc., é realizado na piscina.
Treinar em águas abertas para um triatleta é importante para adaptar-se às condições do dia da prova, como noção de direção e orientação, frequência de braçadas, conhecimento de maré, posicionamento do corpo na água, a hora de encurtar ou alongar as braçadas e uma série de outras ações que se fazem necessárias e que vão te ajudar na hora “H”. Atenção ao “vão te ajudar”, quer dizer que ajudam, mas não são determinantes. O elemento principal nesta equação continua sendo o mesmo, nadar bem!
Independente de toda essa “ajuda”, o treinamento é feito em piscina, onde a flutuabilidade é menor e o esforço em relação a nadar na água salgada é 20% maior. Além disso, para se fazer os necessários exercícios educativos, o ambiente controlado da piscina é muito superior, pois o treinador pode acompanhar a evolução didático-pedagógica de borda, realizar melhores filmagens para correção e visualização do atleta etc., sendo assim, treinar na piscina é melhor, mas nadar no mar é bom principalmente para tirar o pânico que alguns atletas têm do mesmo. Prova disso é que a maior nadadora do triathlon mundial na atualidade, a britânica Lucy Charles-Barclay, nada praticamente 100% do seu treinamento em piscina, por ter assumido que, literalmente, tem medo de nadar no mar por causa dos “bichos”. Muitos acreditam que ela nade tão bem por isso, como se fosse um “vou nadar rápido para sair logo daqui!”… Brincadeiras à parte, a verdade é que a introdução desta natação em águas abertas no treinamento pode ajudar muitos atletas, principalmente os iniciantes, pelo lado psicológico, do tipo… “Eu consigo nadar fora da piscina também!” Na piscina o ambiente é seu aliado, pois existe a borda, o chão (quando dá pé), a raia para o atleta segurar e o guardião vigiando tudo. No mar não tem nada disso, então qualquer coisa que esbarre no nadador, mesmo que seja um saco plástico, ele já acha logo que é um tubarão.
Treinos no mar
Em tempos de piscinas fechadas, os brasileiros que têm a possibilidade de usar o mar para nadar estão conseguindo manter uma base razoável, mas treinar no mar não é só nadar em modo contínuo. A partir do momento que se demarca o espaço, dá para se executar treinos com aquecimento, séries de 100m a 400m, treinos em A1 e A2 e até VO2 Máx (mas é realmente mais difícil para nadadores bem treinados subir a frequência cardíaca nestes casos). Além disso, podemos treinar entrada e saída do mar, séries de velocidade com equipes de revezamento (quando há número para isso), contorno de boias (quando não há boias, podem ser usados pequenos barcos ancorados) etc.
O mar tira muito mais o psicológico do que dá o fisiológico para o atleta. Saber nadar no mar é também saber se adaptar às condições do dia, fazendo a melhor orientação e identificando os pontos de referência. A questão aí é que geralmente onde treinamos não é onde competimos. Fazendo uma comparação com o tênis, onde o tenista treina a maior parte do ano na mesma quadra, com todas as referências já dominadas, quando ele vai para um torneio, se faz necessário que renove seus “pontos de apoio”, como a luz da quadra, as placas de propaganda, o espaço-tempo dele na nova situação. Com a natação em águas abertas isso também é necessário, chegar antes da prova e identificar os pontos de referência de dentro da água, que não serão só as boias, mas determinado prédio na beira-mar ou uma pedra no canto da praia, por exemplo.
Técnica
O nado muito técnico no mar, ou seja, o chamado nado econômico, com o cotovelo mais alto que a mão, encaixando lá na frente, pode ser um complicador quando o mar está mais mexido, com marolas laterais, por exemplo. A estratégia neste caso vai, literalmente, por água abaixo… Treinar para saber “mudar o chip” nesta hora é importante, já que às vezes, a técnica mais feia na piscina, com o braço reto na fase aérea por exemplo, pode ser mais eficiente num mar em condições complicadas, pois evita as marolas, que te jogam para o lado e te fazem girar se estiver com a braçada muito alongada, além de diminuir a possibilidade de enrole com outro atleta.
O ciclo de braçadas tem que ser condizente com as condições do mar, ou seja, quanto mais mexido o mar, mais acelerado deverá ser o nado. Por isso que vemos triatletas oriundos do pólo aquático, se darem tão bem quando as condições do mar estão adversas. Eles já dominam esta técnica diferenciada, com braçadas mais curtas e aceleradas, e com o domínio de levantar a cabeça para a melhor orientação.
Outra dica simples, mas eficiente, é treinar no mar a técnica de aumentar o ritmo das pernadas na fase final da natação (a hora de sair da água), aumentando assim o fluxo sanguíneo para a musculatura inferior do corpo que, até então, estava concentrado nos membros superiores. Isso ajuda para quando voltar à posição vertical, não sofrer aquela tradicional dobrada de joelhos quando pisar na areia, ou ficar tonto. Se o mar realmente estiver mexido, esse detalhe final ajuda a todos, nadadores fortes ou iniciantes.
Nadar no mar e nadar na piscina são “a mesma coisa, mas são diferentes”, é como ciclismo de estrada e Mountain Bike, pedalamos nos dois, mas de formas diferentes. Entender essas diferenças e saber se adaptar é importante demais para o triatleta, pois após nadar, ainda terá que pedalar e correr.
Cláudio Morgado é técnico de triathlon e um dos precursores do esporte no Brasil. @morgadotri