O atleta e a fantasia da glória social

O esporte reproduz o contexto social mas também pode subvertê-lo

Por Roger de Moraes

Norbert Elias costumava dizer que o esporte seria capaz de reproduzir o contexto histórico e social das sociedades. Com a globalização homogeneizante que a todos aglutinou em torno de uma única cultura do consumo e do espetáculo, a estabilidade das sociedades desenvolvidas pautou-se exclusivamente na capacidade de comando e disciplinarização representados por metodologias de manipulação e controle.

Autores como Foucaut, já sugeriram que a racionalização do treinamento fisico expunha a violência da instrumentalização do corpo ao mesmo tempo em que potencializava a produtividade e inviabilizava suas sensações. O corpo do atleta seria a representação máxima desta instrumentalização. Agonizando em dor, anestesiava outras sensações e reproduzia o mito do empreendedor recompensado por sua persistência.

Perseguir o condicionamento ideal e a alta expressão de um rendimento que alimente a fantasia da glória social, disfarçada pela conquista de mais poder, representa o paradigma das sociedades modernas estampado na conduta estoica dos atletas.

O corpo-máquina que se resume à ordenação codificada do metabolismo edificado em estruturas celulares e teciduais, abdicou de existir e sucumbe a um poder que nem sempre reprime. Este é forte porque atua no nível dos desejos e do saber e pode ser encontrado em todo lugar. Ele conduz e se constitui na força motriz de quem nunca se indagou o porquê. A única vitória reside em deste poder se libertar e vivenciar a curta jornada de tempo de forma autêntica e imprevisível.

O atleta não precisa ser apenas aquele que “ri”, mas como qualquer outro pode pensar com autonomia e ser o que realmente é. Não se trata de querer vencer neuroticamente um sistema invencível, nem tampouco de alienar-se ignorando todos os problemas ou tampouco de se filiar cinicamente ao mesmo sistema para dele tirar proveito. O esporte reproduz o contexto social mas também pode subvertê-lo.

Resgatar a sensação e a experiência, e abandonar a busca pela glória que nos prende à ilusão do herói para simplesmente brincar e se divertir é o sacrilégio da modernidade. Não é preciso câmera. Somos vigiados e punidos por nós mesmos pois já introjetamos a cultura moderna.

Roger de Moraes – @demoraesroger

Ex-triatleta Profissional, Professor de Fisiologia Geral
Doutor em Ciências com Pós-Doutorado no Laboratório de Investigação Cardiovascular do Instituto Oswaldo Cruz – Fundação Oswaldo Cruz

 

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