O impacto do ciclo menstrual em atletas: Um fator negligenciado?

Entenda por que o desempenho físico muda ao longo de um ciclo menstrual

Por Eduardo Figueiredo

Quando se trata de treinamento em alto rendimento, performance ou saúde, seja em atletas ou pessoas buscando melhor qualidade de vida, uma coisa que sempre deve ser considerada é a individualidade biológica entre indivíduos e, principalmente, entre sexos. Sabemos que a fisiologia entre os sexos difere significativamente, sendo o ciclo menstrual (CM) um dos fatores que mais ilustra isso.

Porém, apesar do CM ser um fator importante e significativo durante os ciclos de treinamento das mulheres, ainda há uma sub-representação na inclusão de mulheres em pesquisas nas áreas da medicina do esporte e treinamento. Corroborando essa observação, em 2017, o British Journal of Sports Medicine publicou o artigo “Sport, Exercise and the Menstrual Cycle: Where is the Research?” (Esporte, exercício e ciclo menstrual: onde está a pesquisa?), alertando para “as complexidades do ciclo menstrual”, sendo essa considerada a principal barreira para a inclusão de mulheres em estudos de pesquisa e ensaios clínicos em medicina esportiva e do exercício. O resultado disso é que, grande parte da pesquisa na ciência do esporte foi conduzida em homens, e os resultados destas pesquisas foram extrapolados a atletas do sexo feminino.

Em pesquisa, o CM é tipicamente expresso em subfases, folicular precoce, folicular tardia, ovulatória, lútea precoce, lútea média e lútea tardia, aonde as flutuações nos hormônios sexuais femininos, como estrogênio, progesterona, hormônio folículo estimulante (FSH) e hormônio luteinizante (LH), caracterizam as subfases de um CM.

Postula-se que o desempenho físico muda ao longo de um CM devido a vários mecanismos, como ativação muscular alterada, metabolismo, disponibilidade de substratos, termorregulação e composição corporal. As concentrações de hormônios sexuais femininos podem ser responsáveis ​​pela produção alterada de força, podendo afetar a força e potência muscular. Por exemplo, O estrogênio tem efeito neuroexcitatório e a progesterona inibe a excitabilidade cortical. Esses efeitos antagônicos resultarão em uma relação positiva ou negativa na produção de força. Supõe-se que maiores resultados de força e potência seriam produzidos quando a progesterona permanece baixa durante a fase folicular, especialmente quando o estrogênio atinge o pico durante a fase folicular tardia, e resultados de força mais baixos seriam produzidos na fase lútea quando a progesterona é elevada.

É evidente que muitos atletas acreditam que seu desempenho flutua com as fases do CM; de fato, estudos relataram que o CM impactou o desempenho percebido dos atletas. Uma grande proporção, 50-71% e 49-65%, dos participantes relataram sentir que seu desempenho em treinamento e competição, respectivamente, é prejudicado em certas fases do CM. A maioria das atletas relatam uma piora no desempenho nas fases folicular precoce e lútea tardia. O prejuízo percebido no desempenho nestas duas fases coincide com a ocorrência de sintomas menstruais, sendo observado uma razão comum atribuída a esse declínio de desempenho percebido, os sintomas de fadiga ou letargia. Um estudo em mulheres saudáveis ​​vinculou o aumento da percepção de tensão-ansiedade e fadiga dos participantes na fase lútea tardia com níveis mais baixos de serotonina, propondo que a baixa concentração de estrogênio era responsável pelos baixos níveis de serotonina. Considerando que o estrogênio também permanece relativamente baixo na fase folicular inicial, a produção de serotonina e a fadiga podem permanecer aumentadas também nesta fase (Ver figura).

Ref.: Paul B. Tchounwou., et al. 2021.

Ainda existem resultados conflitantes nos estudos mostrando os efeitos do CM no desempenho. Os estudos que relatam o CM tendo papel de mudança no desempenho físico mostra que as fases do CM afetam de forma diferente a força, o desempenho aeróbico e o anaeróbio. Portanto, se o treinamento for modificado com base nas fases do CM, a variável de desempenho predominante a ser utilizada e os objetivos das sessões de treinamento devem ser cuidadosamente consideradas e avaliadas. Importante ressaltar que, nos estudos que observaram um efeito do CM no desempenho, há inconsistências nos achados, mas a força e o desempenho aeróbico foram mais comumente relatados como prejudicados durante a fase lútea tardia, e o desempenho anaeróbico foi mais frequentemente prejudicado na fase folicular tardia. Da mesma forma, o endurance parece diminuir na fase ovulatória, enquanto que, a força e o desempenho anaeróbico melhoram nessa mesma fase.

Outros fatores importantes que podem impactar no CM e desempenho, é a utilização de contraceptivos hormonais por atletas ou CM disfuncionais. Eventos hormonais típicos de um CM ovulatório não são representativos dos eventos hormonais no ciclo de usuárias de contraceptivos hormonais, ou seja, ainda há pouca discussão sobre a complexidade da utilização desses contraceptivos hormonais, tipo de disfunção no CM e deficiências relacionadas, como a deficiência de energia relativa no esporte (RED-S) e como isso pode impactar no desempenho da atleta.

Prof. Eduardo Figueiredo
Graduado em Educação Física
Especialista em Fisiologia do exercício
Mestrando em Oncologia – PPGO / CPQ – INCA
Professor de ciclismo da equipe Cordella team
Professor da clínica de reabilitação cardíaca MEDSPORT
Personal trainer
@prof.edu_figueiredo

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