O que está por trás do excesso de críticas nas redes sociais?

Por Paula Figueira

Basta um atleta ter um destaque esportivo qualquer (como um recorde pessoal numa prova considerada difícil por muitos) para que os “juízes” de plantão nas redes sociais abram a boca para disparar comentários pejorativos, em vez de críticas construtivas e elogios sobre o que foi realizado. Mas afinal, o que está por trás de tantas críticas que diariamente lançamos pelas redes sociais?

Se um atleta amador faz um excelente ciclismo numa prova Ironman, logo surge a suspeita de que ele pedalou em “pelotão” (o que é proibido em provas de longa distância). Se uma atleta corre uma maratona com tempo abaixo de três horas, rapidamente levanta-se a hipótese de doping. A verdade é que pouquinho de diferença que uma pessoa faça num grupo já é o suficiente para provocar em muitos um sentimento bastante familiar que é a inveja.

No dicionário o verbete traz como sinônimo a palavra invídia, sendo definido como um sentimento de cobiça diante a felicidade ou superioridade do outro, expressando também a vontade de possuir o objeto pertencente à outra pessoa. Sua origem latina, invidere, traz o curioso significado que é “não ver”. Mas o que “não queremos ver” quando invejamos o outro?

A psicanálise nos ensina que inconscientemente colocamos para fora e depositamos no outro aquilo que desconhecemos em nós mesmos, que é o desejo. Criticamos o outro porque não reconhecemos o nosso desejo ali. Para Jacques Lacan, “o desejo é o desejo do Outro” (com O maiúsculo mesmo). O desejo é efeito da cultura e da linguagem e por isso só é concebível entre nós, seres falantes. O filhote humano não consegue satisfazer sozinho suas necessidades básicas e por isso precisa primeiro se alienar ao Outro, ou seja, precisa do amparo de alguém que fale a sua mesma língua para sobreviver. Esse processo transforma aquele que satisfaz suas necessidades básicas também um objeto de amor, criando assim o campo do desejo. O desejo está em tudo que dizemos ou deixamos de dizer, em nossos sonhos e atitudes, comparecendo muitas vezes de forma confusa e equívoca, dando margem a diversas interpretações. Por exemplo, o desejo comparece até quando por um ato descuidado nos acidentamos no treino de ciclismo e ficamos de fora exatamente da competição mais esperada da temporada.

A psicanalista Ana Suy diz que “o desejo é filho da falta”. É preciso não ter algo para poder desejar, pois o desejo não tem um objeto que nos satisfaça totalmente, o que não quer dizer que não existam satisfações. O desejo não cessa de deslizar os diversos objetos, por isso faz parte da nossa constituição subjetiva lamentar pela impossibilidade de encontrar a felicidade por completo. Quando achamos que encontramos a felicidade, o que temos é apenas uma satisfação parcial e como efeito disso, mais desejo! É como um buraco sem fundo que tentamos preencher investindo em bicicleta e tênis novos para melhorar nosso desempenho ou em competições que mesmo sabendo que o treinamento é bastante sofrido, insistimos em nos inscrever nelas ano após ano.

Na incessante busca por um objeto de satisfação, o desejo nos deixa sempre de “boca aberta”, às vezes falando o que não deveríamos por aí. “O homem é dono do que cala e escravo do que fala. Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo”, já nos disse o velho Freud há um bom tempo. Quando apontamos o dedo para o outro esquecemos que ao mesmo tempo tem três dedos apontando para nós mesmos. Quanto mais críticas ao outro, menos desejo. Se dirigimos e fixamos o nosso olhar o para o outro, criticando seu desempenho, fracassos, conquistas, enfim, tudo o que ele faz ou deixa de fazer, deixamos de olhar para nós mesmos e nos afogamos no mar do desconhecimento do nosso próprio desejo.

Paula Figueira é psicóloga do esporte, psicanalista, triatleta amadora e autora do projeto “Atleta no Divã”.  @paulafigueirapsi

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