Imunomodulação no exercício de endurance – Quais os principais nutrientes e ativos que podem ajudar a nos defendermos?
Por Nutricionista Bernardo Starling e Dra. Ana Elisa Crepaldi
O título dessa matéria diz muito sobre a evolução da nutrição e da medicina esportiva. A imunomodulação tem sido um campo de grande enfoque atualmente. A forma como ela é conduzida nos atletas de endurance e alta performance tem sido num limite muito tênue. E isso se deve ao fato de que os compostos utlizados para imunopotencialização podem interferir negativamente em processos celulares importantes para geração da resposta adaptativa (no caso benefica) ao exercício. Com isso, se feita de forma inadequada, ela podera dimuir a evolução do atleta durante seu programa de treinamento.
O CONCEITO
A prática diária de exercício físico moderado traz, além de todos os já conhecidos benefícios, um aumento na capacidade do sistema imune em combater infecções. E isso ficou muito claro com a recente pandemia do COVID-19, onde a maioria das pessoas inativas fisicamente tiveram piores evoluções em seus quadros de saúde.
De fato, o exercício físico pode ser considerado um fator imunodulador, porém quando sua prática ocorre de forma extensa ou em intensidades extramente altas, como visto nas preparações e competições de Triathlon – e certamente, isso se faz necessário para assim irmos mais além – o exercício pode acarretar uma situação de imunosupressão – isso caso não bem orientado do ponto de vista médico, nutricional e de treinamento.
O conceito de imunonutrição tem sido um dos pontos mais estudados e visados atualmente na ciência – nos últimos 75 anos mais de 10.000 artigos científicos foram publicados no tema. Porém, temos aqui uma dificudade, já que temos somente algo em torno de 400-500 artigos visando especificamente sua ação perante exercício físico.
MAS ENTÃO, COMO POSSO USAR A IMUNITRAÇÃO AO MEU FAVOR?
E a resposta é: utilizando-a em momentos específicos – principalmente e em maiores quantidades em momentos de pico de volume ou intensidade no treinamento e nas semanas que antecedem e prosseguem as competições. Pois sabemos que os carboidratos, os antiinflamatórios e os antioxidantes são recursos que irão ajudar o nosso sistema imune, mas que como demonstrado em estudos atuais podem levar a uma diminuição da resposta adaptativa ao exercício no dia a dia. Essa resposta, nada mais é que a forma como o corpo irá reagir ao stress gerado pela atividade buscando aumentar o seu condicionamento e assim “não sofrer tanto” na próxima vez em que tiver que realizar tal atividade. Alguns pesquisadores da área desportiva trazem isso como um raciocínio evolutivamente lógico: o corpo de um homem das cavernas pouco alimentado e consequentemente com baixa eficiência para caçar deveria produzir mais mitocôndrias para assim gerar maior eficiência na próxima busca por alimento. Caso o contrário, o mesmo morreria por inanição.
Um dos principais “efeitos colaterais” dos exercícios extenuantes é o conhecido acometimento de infecções do trato respiratório superior (do inglês URTI). Para essas situações o mais importante parece ser não haver qualquer tipo de deficiência vitaminica-mineral, muito mais do que a utilização de altas doses desses mirconutrientes.
O primeiro e mais simples ingrediente a ser utilizado é o carboidrato, que possue uma capacidade parcial em contra-atacar essa imunodepressão. De forma interessante, parece que a estratégia mais indicada e eficaz nesse caso, é a velha e boa ingesta de carboidratos ao longo da atividade, sendo mais eficiente do ponto de vista imunológico do que o aumento do seu consumo ao longo do dia – essa última que também se faz interessante para termos um grande estoque de energia durante o exercício.
OS POLIFENÓIES – moléculas presentes principalmente em alimentos de origens vegetais – apresentam importantes propriedades antiinflamtórias, antioxidantes e antipatogênicas. E a boa noticícia aqui é que a cerveja é riquissima nesses compostos (aproximadamente 500mg/L, porém é importante frisar que o alcool é agressor ao nosso sistema imune). Assim, em um estudo feito por pesquisadores alemães avaliando o uso de 1 litro/dia de cerveja sem alcool em comparação ao uso de um placebo (também cerveja sem alcool porém isenta de polifenois), o grupo estudado teve uma incidência de infecções do trato respiratório superior 3 vezes menor!!! O estudo durou 3 semanas pré e 2 semanas após a Maratona de Munique.
A tão falada vitamina D apresenta talvez um dos papeis mais essenciais no sistema imune humano. Por se tratar de uma vitamina com características de hormônio, apresenta várias funções em nosso metabolismo – dentre elas o controle da absorção cálcio corporal, mineral esse extremamente importante para que ocorram as contrações musculares de forma adequada, e que estudos mostram que em indivíduos deficientes em vitamina D sua absorção diminui em 50%. Pensando no sistema imune, a vitamina D tem a capacidade de direcionar e proporcionar respostas de defesas mais adequadas. Porém de forma peculiar, quanto mais sol tomamos, mais negra for a pele ou mais avançada a idade do atleta, menor formação de vitamina D ocorre através da exposição solar. Para atletas a concentração ideal de 25OH vitamina D sérica parece estar em torno de 40-60 ng/ml.
Outra vitamina com capacidade imunomodulatória, que também tem como característica ser de carácter lipídico, é a vitamina A (geralmente na forma de Retinol ou Beta-caroteno presente nos alimentos). Ela tem ação reguladora no nosso sistema imune ao direcionar células do nosso sistema conhecidas como Linfócitos, e que se localizam em grande parte nos nossos intestinos, para subtipo T reguladores – que irão literalmente regular melhor nossa resposta imune.
O uso de probióticos no esporte vem crescendo nos últimos anos com foco na atenuação dos sintomas do trato respiratório superior e gastrointestinal, comumente presentes em atletas de endurance. Pesquisas mostram resultados diferentes e isso pode estar relacionado à cepa do probiótico, dose, período de consumo ou até mesmo a forma de administração (cápsulas, sachês ou leite fermentado).
Esses quatro fatores influenciam diretamente no resultado do probiótico e essa questão ainda não está clara. Uma revisão de literatura com mais de vinte artigos originais observou que os atletas podem se beneficiar do consumo de probióticos. Parece que multicepas ingeridas via sachê ou alimento fermentado e um período maior de consumo podem apresentar melhores resultados na minimização de sintomas de via aérea superior e gastrointestinal. Além disso, espécies específicas parecem ter um papel na recuperação do exercício. Portanto, o efeito benéfico dos probióticos no campo esportivo é estritamente dependente dos quatro fatores acima mencionados.
A betaglucana é um polissacarídeo presente em leveduras, cogumelos, algas, fungos, bactérias e cereais que apresentam ligações moleculares diferentes de acordo com sua origem acarretando funções também diferentes. É uma fibra solúvel que apresenta efeitos positivos para o organismo. Ela otimiza a saúde do microbioma intestinal aglomerando bactérias patogênicas, apresentando-as para células imunocompetentes, modulando mediadores químicos e ativando os macrófagos, promovendo, assim, maior atividade fagocitária e melhorando a resposta imune.
Um estudo realizado com humanos demonstrou a eficácia da sua utilização no tratamento de inflamações associadas a infecções. A administração de betaglucana através de levedura em pacientes contribuiu para a redução de forma expressiva nos níveis de citocinas pró-inflamatórias, (como a interleucina-6 e fator de necrose tumoral TNF-α) e aumento das concentrações da anti-inflamatória (interleucina-10). Ela age por estimulação do sistema imune, desencadeando ações que parecem ter efeito benéfico contra uma variedade de bactérias, vírus, fungos e parasitas, além de atuar como adjuvante na terapia anti-tumoral e infecções de via aérea superior. Na verdade, auxilia no aprimoramento do mecanismo de defesa naturalmente presente do nossos corpo. Existe, também descrito, uma ação de proteção do sistema cardiovascular, melhorando a glicose, o metabolismo lipídico e a pressão sanguínea.
O canabidiol (CBD), um dos principais fitocanabinoides presente na planta cannabis sativa, foi retirado da lista da WADA em 2018, tendo seu uso permitido desde então. Suas propriedades neuroprotetoras e anti-inflamatórias têm sido ligadas à diminuição do dano muscular entre os treinos e menor tempo de recuperação muscular.
Além disso, estudos já demonstram que o CBD apresenta função analgésica, ansiolitica, além de ajudar na regulação do ciclo sono-vigília. Existem relatos de melhora da variabilidade da frequência cardíaca, que é um índice precoce e eficaz para predizer fadiga. Tudo isso, em conjunto, impacta positivamente na saúde integral do atleta e favorece um sistema imune mais equilibrado. Uma grande estratégia promissora que pode ter seu uso ergogênico mais bem elucidado e comprovado no esporte e na performance.
Porém, devemos lembrar que o desenvolvimento de um plano alimentar e a prescrições personalizadas devem ser feitas por profissionais especializados.
Bernardo Starling é nutricionista, mestre em bioquímica, pesquisador na área de vitaminas e minerais e ex-atleta profissional. @bernardo.starling.nutricao
Ana Elisa Crepaldi é cardiologista, pós graduada em medicina do esporte e nutrologia, além de triatleta amadora. @draana_crepaldi