Antes de qualquer coisa é importante ter em mente que a natação do triathlon tem três objetivos fundamentais. Conseguir cumprir a distância determinada no menor tempo possível, fazer isso sem gastar todas (ou quase todas) as suas reservas energéticas e ainda manter-se longe de qualquer incidente que possa comprometer o restante da sua prova.
Pode parecer uma besteira, mas quando há tantos elementos sobre os quais não se tem controle (temperatura da água, correnteza, ondas ou outros 1.899 triatletas tentando ocupar o mesmo espaço na água que você!) é melhor estar preparado.
Com a proximidade do Ironman Brasil e até pelo fato de que esse evento exige 3.800 metros de natação, vamos usá-lo como exemplo. Podemos, em linhas gerais, dividir os triatletas em três grupos distintos na parte de natação da prova. Cada um desses grupos tem níveis de habilidade e objetivos diferentes nessa parte da prova e, nos próximos parágrafos, vamos tentar detalhar essas diferenças.
GRUPO 1 – Triatletas que completam os 3.800 metros abaixo de 55 minutos
Esse grupo é composto basicamente pelos triatletas profissionais e pelos amadores mais fortes, além de alguns atletas oriundos da natação. Em sua grande maioria esses atletas são muito experientes e enfrentar os 3.800 metros de natação não costuma ser uma novidade para eles.
Com exceção dos profissionais, que geralmente largam antes dos demais, os amadores e ex-nadadores devem ficar muito atentos à largada. Nesse momento você está lado a lado com atletas que não necessariamente têm o mesmo nível de natação que você e, para os que pretendem nadar rápido, é crucial se posicionar na frente da massa de atletas e se distanciar o mais rápido possível dos nadadores mais lentos na entrada na água, nos primeiros metros. Só assim o atleta conseguirá ter “águas livres” à sua frente para imprimir o seu ritmo forte sem maiores contratempos.
PRINCIPAL RISCO: Os triatletas desse grupo costumam ser bastante experientes, o que reduz muito a chance de algo dar realmente errado na natação. Apesar disso, para os atletas mais rápidos, o principal risco é o de perder o contato com o pelotão principal, já que boa parte desses atletas vai brigar pelas primeiras posições (seja no profissional, no geral, ou nas faixas etárias) e ficar para trás na natação pode não mudar tanto o tempo final, mas pode impedir que o atleta se posicione entre os que disputarão a prova.
DICA: Estratégia é a palavra de ordem nesse grupo. Ter um plano de prova muito bem definido antes da largada pode evitar sustos e dá a tranqüilidade para que o triatleta chegue à T1 dentro do que foi planejado.
GRUPO 2 – Triatletas que completam os 3.800 metros entre 56 minutos e 1:15h
Esse grupo é composto quase que inteiramente por amadores, e é aqui que a maior parte dos problemas pode acontecer. Isso porque esse grupo é muito heterogêneo. Você encontra nessa faixa de tempo alguns profissionais e muitos amadores. Por se tratarem de triatletas com um bom nível de natação, a competitividade é muito acirrada e o espaço para entrar na água, nadar e contornar as boias é muito pequeno.
Os atletas desse grupo devem se preocupar não somente em completar o percurso no menor tempo possível, mas também em fazer uma boa trajetória entre as boias e evitar contusões em decorrência do contato físico com outros atletas.
Para os triatletas que nadam no pelotão da frente isso é natural, mas a atenção com a trajetória pode economizar um tempo precioso aos atletas desse grupo. A tendência natural de buscar um “pé” com um ritmo semelhante pode fazer com que o triatleta se esqueça de procurar nadar em linha reta e acabe nadando muito mais do que o necessário.
A aproximação das boias também ganha importância, uma vez que é o momento onde os atletas afunilam e a atenção com o contato físico deve ser redobrada.
PRINCIPAL RISCO: Assim como para o pelotão da frente, a largada é o ponto crucial para esse grupo. A quantidade de pessoas brigando por espaço é muito grande e o risco de se machucar ou mesmo comprometer a sua natação é grande.
DICA: Para esse grupo o foco da estratégia deve ser conseguir um espaço relativamente confortável para fazer uma natação tranquila e dentro do seu plano de prova. Quando muita gente disputa o mesmo espaço nem sempre o caminho mais curto é o melhor. Procure se aproximar de nadadores com o mesmo nível de natação, mas preocupe-se com a sua prova ao invés de seguir ou tentar copiar outros atletas.
GRUPO 3 – Triatletas que completam os 3.800 metros acima de 1:15hs
Esse grupo é composto por atletas que tem uma natação mais lenta, porém não necessariamente isso quer dizer que estarão no fim da fila na linha de chegada. O ideal é que esses triatletas se posicionem mais atrás no momento da largada, evitando que os nadadores mais rápidos os atropelem. Isso não quer dizer que eles não buscarão uma boa natação na prova. Largar um pouco atrás tem as suas vantagens e a principal delas é evitar a confusão da largada, abrindo espaço para uma natação tranquila e sem maiores preocupações.
Tomando proveito disso os triatletas desse grupo devem aproveitar para buscar uma linha mais eficiente, fazendo sempre o menor trajeto entre as boias e reduzindo assim o tempo final da natação e a diferença que muitos precisarão tirar no ciclismo e na corrida para disputar melhores posições.
PRINCIPAL RISCO: Deixar que a distância para o pelotão intermediário fique grande demais e acabar ficando sem referência em termos de competitividade no restante da prova.
DICA: Aproveitar o fato de ter mais espaço para nadar e se preocupar em fazer uma boa natação, porém tranquila, com menor risco e chegando à T1 com muita energia para o restante da prova.
É claro que esses grupos são uma generalização, afinal de contas encontraremos triatletas de praticamente todos os tipos, idades e níveis nos três grupos que tentamos identificar acima.
O mais importante é que o triatleta tenha uma boa noção do que ele é capaz de fazer na natação para que possa se posicionar com inteligência e usar a primeira das três fases da prova como uma vantagem, e não como um sacrifício. A atenção deve ser total, não podemos esquecer que essa é a única das três modalidades do triathlon onde existe contato físico!
Nunca vemos ninguém ganhar uma prova na natação, mas é muito comum ver triatletas estragando a sua prova bem antes da T1.
Quando você estiver alinhado para a sua próxima prova (seja ela um Ironman ou o short triathlon) tenha em mente que a natação pode ser o começo de um grande dia. Basta se programar para isso.
Saudações Aquáticas,
Rafael Gonçalves
Bicampeão da Travessia dos Fortes e ex-recordista sul-americano dos 400 mts medley/piscina de 25 mts; hoje triatleta.