Qualidade do sono x performance: Como melhorar essa relação?

A qualidade do seu sono pode interferir diretamente na sua performance

Por Eduardo Figueiredo

Após um dia de rotina normal conciliando o treinamento com o trabalho, não há nada mais revigorante que uma boa noite de sono, certo? Nada melhor que conseguir deitar a cabeça no travesseiro e dormir umas boas horas. Mas, infelizmente para muitas pessoas isso não é tão simples quanto parece. Nós estamos sob a influência constante de mudanças diárias e sazonais resultantes da rotação do planeta. Esse padrão periódico é mais proeminentemente manifestado pelo ciclo claro-escuro e levou ao estabelecimento de sistemas endógenos de cronometragem circadiana que sincronizam as funções biológicas com o ambiente. Entretanto, em um mundo corrido aonde as responsabilidades e funções se acumulam, as pessoas desregulam esse sistema impactando na qualidade de vida e disposição desses indivíduos. Esses distúrbios do ciclo do sono causam inúmeras alterações fisiopatológicas que aceleram o processo de envelhecimento causando efeitos indesejáveis ao corpo.

Para estar preparado para as demandas metabólicas que ocorrem ao longo de 24h, o corpo preserva informações sobre o tempo no músculo e em todas as células, através de um mecanismo chamado, relógio circadiano. O relógio circadiano dos mamíferos regula os ciclos diurnos e noturnos de várias funções fisiológicas. O sistema de relógio circadiano consiste em um relógio central no núcleo supraquiasmático (SNC) do hipotálamo e de relógios periféricos nos órgãos. Nós dividimos nosso comportamento diário em fases de atividade (vigília) e repouso (sono) que diferem amplamente em suas necessidades metabólicas. O relógio circadiano evoluiu como um sistema de cronometragem autônomo que alinha os padrões comportamentais com o dia solar e suporta as funções do corpo antecipando e coordenando os programas metabólicos necessários. O componente-chave dessa sincronização é um relógio mestre no cérebro, que responde a sinais de luz e escuridão do ambiente. No entanto, para alcançar o controle circadiano de todo o organismo, cada célula do corpo é equipada com seu próprio oscilador circadiano que é controlado pelo relógio mestre e confere ritmo coordenado às células e órgãos individuais por meio do controle de etapas limitantes de programas metabólicos.

Curiosamente, a regulação glicêmica de todo o corpo e a sensibilidade à insulina exibem variações diurnas. Essas variações diurnas são impulsionadas principalmente por alterações circadianas nos hormônios circulatórios, oxidação do substrato de todo o corpo e resposta à insulina específica do tecido. Observações em animais e humanos indicaram que o relógio periférico no músculo esquelético orquestra uma organização temporal da expressão de genes metabólicos, afetando assim a homeostase da glicose. Um exemplo desse mecanismo foi observado em trabalhadores noturnos (que trocam o sono pela vigília) onde foi relatado que a interrupção do relógio mestre e periférico coincide com um risco elevado de desenvolvimento de diabetes tipo2.

Outro fator importante é que a secreção de insulina pancreática apresenta um ritmo em humanos, sendo observado uma menor taxa de secreção durante a noite, além disso, flutuações diurnas dos principais hormônios metabólicos, como cortisol e melatonina, bem como elevações diurnas da concentração de ácidos graxos livres no plasma sanguíneo, afetarão a homeostase da glicose no corpo. No sistema nervoso central, a interrupção do sono prejudica diversas funções, entre elas, a eliminação de moléculas residuais. A diminuição da melatonina plasmática desempenha um papel particular no que diz respeito às sequelas endócrinas do envelhecimento. Todos os dias, o aumento da melatonina no final da tarde/noite sincroniza tanto o marcapasso circadiano central localizado nos núcleos hipotalâmicos supraquiasmáticos quanto miríades de relógios circadianos celulares periféricos. Isso é chamado de “efeito cronobiótico” da melatonina.

Além disso, a melatonina exerce uma ação citoprotetora significativa ao estabilizar os radicais livres e reverter a inflamação por meio da regulação negativa de citocinas pró-inflamatórias, supressão da inflamação crônica de baixo grau e prevenção da resistência à insulina, e em humanos, a melatonina é eficaz tanto como relógio biológico como agente citoprotetor para manter um envelhecimento saudável.

Apesar de crescente evidências mostrando que uma boa qualidade do sono, além de ser parte fundamental na recuperação e adaptação entre as sessões de treinamento, também desempenha impactos significativos no desenvolvimento físico, regulação emocional, desempenho cognitivo e na qualidade de vida do atleta. Além disso, um sono de qualidade pode reduzir o risco de lesões e doenças em atletas, não apenas otimizando a saúde, mas também potencialmente melhorando o desempenho através do aumento da participação no treinamento. Por exemplo, estudos que avaliaram a duração do sono com o sucesso competitivo em equipes de esportes coletivos, demonstraram que as equipes que tiveram maior duração do sono obtiveram melhores resultados em competições. Embora isso pareça sugerir que a maior duração do sono esteja associada a maiores chances de sucesso competitivo, isso só foi investigado em esportes coletivos podendo haver uma variação considerável desse efeito entre os indivíduos.

Em relação ao desempenho de Endurance, a maioria dos estudos observaram que a privação do sono inibe o desempenho do atleta, acarretando em menores distâncias percorridas após privação do sono mesmo não havendo diferença no consumo de O2 (VO2). Um exemplo disso foi de que uma única noite de sono restrito após uma sessão de exercícios intensos resultou em uma redução de 4% no desempenho de contra-relógio de 3km entre ciclistas na manhã seguinte, sugerindo que a privação do sono pode prejudicar a recuperação entre as sessões de esforços intensos.

De forma importante, foi observado que os estoques de glicogênio muscular pré-exercício diminuem após a privação do sono, impactando na disponibilidade de substrato energético que pode se traduzir em desempenho prejudicado em esforços de longa duração. Além do mais, redução do tempo até a exaustão em testes laboratoriais após privação do sono tem sido associado ao aumento da percepção de esforço percebido, e ao contrário, melhora do tempo até a exaustão após a extensão do tempo de sono parece estar relacionado a melhora do esforço percebido com a mesma carga de trabalho, sugerindo que um mecanismo de fadiga central possa ser o responsável. No entanto, descobriu-se que a fadiga neuromuscular explica apenas parcialmente as mudanças no esforço percebido em exercícios de endurance após a privação do sono, e a interação desses mecanismos continua sendo uma área importante de investigação.

A implicação de risco aumentado de lesões e doenças em atletas com privação do sono também é um fator importante. Estudos vem evidenciando que atletas que relataram dormir menos de 8h por noite em média tinham 70% maiores chances de relatar uma lesão do que aqueles que dormiam mais de 8h. Uma análise em atletas jovens que incluiu 16 esportes individuais e coletivos mostrou que o aumento da carga de treinamento e a diminuição da duração do sono (auto-relatado) de forma simultânea aumentou o risco de lesão.

A privação do sono pode contribuir para uma imunossupressão aumentando a possibilidade de infecções do trato respiratório superior. Um estudo monitorou a duração e eficiência do sono durante 14 dias entre homens e mulheres, após esse período os participantes receberam gotas nasais contendo rinovírus para avaliar o desenvolvimento de sintomas durante 5 dias. Foi observado que os indivíduos que dormiam menos de 7h tinham quase três vezes mais chances de desenvolver uma infecção em comparação com aqueles que dormiam 8h ou mais.

Mas, como melhorar a qualidade do sono do atleta? Dado as complicações causadas pela privação do sono, algumas recomendações tem sido sugeridas para monitorar e melhorar a qualidade do sono em atletas. Muitos dispositivos (relógios) tem uma função específica de monitoramento do sono. É importante fazer um acompanhamento do atleta por pelo menos duas semanas para quantificação do sono. No caso de atletas adultos e adolescentes que demonstram uma duração de sono inferior a 7h e 8h, respectivamente, é orientado uma avaliação adicional para identificar possíveis barreiras específicas na duração do sono. Para aqueles indivíduos que apresentam efeitos negativos de uma duração do sono ruim, esses devem ser encorajados a utilizarem técnicas de higiene do sono como estender a duração do sono em 30 a 60 minutos por noite, monitorar melhorias na energia e estado de alerta durante o dia.

Uma boa estratégia para melhorar a qualidade do sono é melhorar o ambiente e, principalmente o horário de dormir, e esse é um ponto crucial, ainda vejo muitos atletas com uma rotina de dormir tarde e acordar cedo para treinar, não vai funcionar! Evitar dispositivos eletrônicos, nada de ficar no celular antes de dormir. Uma coisa que ajuda bastante é introduzir 30 a 45 minutos de relaxamento antes de dormir, o que facilita o início do sono. Existem várias técnicas de relaxamento (respirações, meditação), escolha uma e tente introduzir na sua rotina noturna. No mais, fique sempre atento a sinais de fadiga, sonolência e queda da performance, isso pode ser sinal de que seu corpo precisa de mais algumas horas de sono.

Prof. Eduardo Figueiredo
Graduado em Educação Física
Especialista em Fisiologia do exercício
Mestrando em Oncologia – PPGO / CPQ – INCA
Coach da equipe Cordella team
Professor da clínica de reabilitação cardíaca MEDSPORT
Personal trainer
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