Roger de Moraes foi o triatleta brasileiro pioneiro em Roth
Na Bavária, dizem que o embrião das grandes realizações deriva do sonho contagiante de algum visionário que é capaz de instigar todos demais a se unirem em prol de um ideal. O triathlon em Roth faz 38 anos e enquanto sua história se confunde com o desenvolvimento desse esporte na Europa e no mundo, seu sucesso resulta dos esforços de um visionário chamado Detlef Kuhnel. Ao lado do clube TSV Roth, este aventureiro sensível, gentil e obstinado, transformou a Alemanha no palco mais iluminado do triathlon mundial.
Mas quem foi Detlef Kuhnel?
Além de jogar tênis, fazer equitação e participar de algumas edições do rali Paris-Dakar, Detlef foi o primeiro alemão a completar o Ironman do Hawaii em 1982. Apaixonado pelo triathlon, retornou à Kona em 1983 e ao lado de seu amigo Manoel Debus perceberam a rápida globalização do esporte. Interessado em intercâmbios, conheceu Roger de Moraes, o brasileiro vencedor do primeiro triathlon oficial realizado no Brasil e que também participava daquela mesma competição.
No restaurante do Kona Surf, hotel em que ambos estavam hospedados, Detlef se entusiasmou com o desempenho daquele jovem brasileiro de 18 anos que havia sido o melhor da competição com menos de 20 anos. Em dezembro do mesmo ano, Detlef decidiu ir ao Brasil e participou da segunda edição do Triathlon Golden Cup, vencido por Osmar Campezato e que teve Roger de Moraes como vice-campeão.
Em 1984, Detlef participou de competições no Canadá e decidiu organizar em Roth o primeiro Triathlon da Francônia, vencido pelo alemão Franz Michels, que superou outros 82 competidores nas distâncias de 700m de natação, 40Km de ciclismo e 10Km de corrida. Acompanhando as vitórias de Roger nos triathlons internacionais de Florianópolis, São Paulo e Santos, e de Jhon Winterdyck no Penticton canadense, Detlef decidiu convidá-los para longa temporada na Alemanha. Em 1985 organizou a edição internacional do segundo Triathlon da Francônia com os dois convidados, e a competição que foi realizada nas distâncias de 2Km de natação, 90Km de ciclismo e 20Km de corrida, teve como vencedor Dirk Ashmoneit e Roger de Moraes em sexto lugar.
Foto abaixo: DetleF Kuhnel, Scott Tinley, Alexandra Kramer, Roger de Moraes e Gerard Wacher, convidados do Campeonato Alemão de 1986.
Em 1986, Detlef fundou ao lado de Manoel Debus a União Alemã de Triathlon (DTU) e trouxe para Roth a Copa da Bavária, que foi realizada na distância de 1,5Km de natação, 60Km de ciclismo e 15Km de corrida. O vencedor foi Jurgen Zack e Roger de Moraes chegou em terceiro lugar. Pelos esforços de Detlef, neste mesmo ano, Roth sediou seu primeiro campeonato alemão, vencido por Ashmoneit e que também teve a participação do grande campeão norte-americano Scott Tinley. A prova foi realizada na distância de 2,5Km de natação, 100Km de ciclismo e 25Km de corrida e entre os 15 primeiros estavam outros grandes nomes do esporte europeu como Rainer Muller, Jurgen Hoffman, Jurgen Zack e Roger de Moraes.
Ainda em 1986, Detlef incentivou a ida dos campeões alemães Dirk Ashmoneit, Gernot Rupp e Alexandra Kremer para competirem ao lado de Roger de Moraes nos Triathlons Internacionais do Rio de Janeiro e de Mar del Plata. No primeiro evento, Dirk Ashmoneit foi o vencedor e Roger de Moraes foi o segundo, seguido de Gernot Rupp e do americano Kenny Souza. Já em Mar del Plata, Roger de Moraes foi o vencedor deixando Dirk, Gernot e o americano Paul Huddle para trás. Comunicando-se através de cartões postais, Detlef vibrava com o sucesso de seus pupilos.
Em 1987, Detlef organizou em Roth o primeiro campeonato Europeu reunindo cerca de 50.000 pessoas entre atletas e torcedores. Entre os convidados estava Valerie Silk, a famosa organizadora do Ironman do Hawaii, que começava a procurar parceiros para sediar eventos de sua marca em outras localidades do mundo. Convidado por Detlef, Roger de Moraes era o único sul-americano na competição. Recém-chegado de um training camp organizado pela DTU, Roger chegou entre os 20 primeiros em disputada competição vencida pelo inglês Glenn Cook seguido do holandês Axel Koenders e Jurgen Zack.
Detlef teve participação especial no desenvolvimento da carreira de grandes estrelas do triathlon alemão agenciando patrocínios para Jurgen Zack, Rainner Muller, Lothar Leder, Thomas Hellriegel e Michael Hellingenthaler. Também teve participação decisiva no ingresso do brasileiro Roger de Moraes na equipe belga Winning, que reunia as principais estrelas do triathlon europeu. Assim, com o incentivo de Detlef, Roger de Moraes se sagrou vice-campeão alemão no campeonato oficial de 1987, disputado em St. Wendel, e vencido por Wolfgang Dittrich e que teve Jurgen Zack em terceiro lugar.
Na Alemanha, Detlef foi inspiração para o crescimento do triathlon. Era uma figura cativante que reunia com harmonia todas pessoas ao seu redor e catalizava o desenvolvimento daqueles verdadeiramente dedicados ao esporte. Em 1988, finalmente conseguiu sediar em Roth o primeiro Ironman Europa. A competição foi vencida por Axel Koenders, o incrível holandês que por conta do calor nunca quis competir em Kona e que finalizou a prova em 8h e 13 minutos. Nesta mesma ocasião, Roger de Moraes, com apenas 23 anos, faria o melhor tempo sul-americano na distância, completando a prova em 8h e 55 minutos.
Em 1989 Roth continuou a sediar o Ironman e foi palco da grande emergência de talentos de triatletas alemães. Neste ano, Jurgen Zack foi o vencedor e Koenders o vice-campeão. Em 1990 e 1991 foi a vez do finlandês Pauli Kiuri vencer a prova, e em 1992, a sul-africana Paula Newby-Frazer conquistaria a primeira de suas três vitórias em edições do Ironman de Roth. O chileno Cristian Bustos, que em 1989 havia vencido Roger de Moraes no Sprint final durante o Triathlon de Pucon, venceria em Roth no ano de 1993.
Jurgen Zack continuou vencendo o Ironman Europe em 1994, 1995, 1998 e 1999 em acirradas disputas com Lothar Leder, Thomas Hellriegel e Rainer Muller e o evento presenciou momentos importantes do triathlon mundial. Em coerência com o bom desempenho dos holandeses nesse esporte, em 1991 Thea Sybesma foi a primeira mulher a romper a barreira das 9 horas em uma distância de Ironman. Em 1986, foi a vez de Lothar Leder entrar para história como o primeiro homem a fazer a distância em menos de 8 horas.
O evento continuou sob a marca Ironman até 2001, quando Detlef a abandonou para criar o Quelle Challenge Roth transferindo a direção da prova para Herbert Walchshofer. Tendo falecido 6 anos depois, seu filho Felix Walchshofer assumiria o comando da marca Challenge e até hoje encontra-se na liderança do legado de Detlef. Com fama de prova rápida, o percurso frequentemente desaponta os incautos que se surpreendem com as múltiplas subidas desafiadoras do percurso do ciclismo.
Em 2003 Roth foi palco de espetacular disputa entre o australiano Chris McComack e Lothar Leder, que somente definiram suas posições no Sprint final. Entre 2009 e 2011, Chrissie Wellington reduziu ainda mais o tempo feminino na distância chegando a fazer 8:18:13, ocasião em que correu a maratona para menos de 4’/Km (2:44:35). Finalmente, em 2016, o alemão Jan Frodeno, completaria o Challenge em 7:35:39 superando em quase 6 minutos o melhor tempo na distância que persistia desde 2011 e que pertencia a outro alemão chamado Andreas Raelert. Em 2018, a alemã Daniela Sammler venceria a prova com 8:43:42 chegando a frente de inglesa Lucy Charles que venceria a competição em 2019.
Em 2021, Anne Haug e Patrick Lange, dois alemães, venceriam a competição respectivamente em 7:53:48 e 7:19:19 coroando os ideais utópicos de Detlef: tornar a Alemanha o palco central de atletas profissionais e amadores reunidos sob meticulosa organização de seus eventos e acompanhados pelo fascínio dos espectadores. Hoje, cerca de 3500 atletas são aplaudidos por mais de 250.000 torcedores que criam atmosfera mágica no triathlon de Roth. Com 7000 voluntários é uma das provas com melhor organização e reúne anualmente a elite global do esporte.
O fascínio de Detlef pelo desenvolvimento do triathlon na Alemanha e pelo alto rendimento dos atletas por ele acolhidos representam o exemplo de como a união em torno de ideais positivos rendem frutos e deixam rastros de singular inspiração. Também revela a noção que o sentido dos eventos de triathlon não é simplesmente gerar lucros para o organizador, mas fundamentalmente investir no desenvolvimento dos atletas e na legítima empolgação dos espectadores e massificação do esporte.