Se você não está confuso nessa pandemia, você tem um problema
Por Paula Figueira
Já passamos por uma quarentena, mas a pandemia continua. Seguimos diante uma ameaça invisível e cheia de incertezas. Afinal, tem uma “coisa” lá fora que pode nos pegar e infelizmente ainda não existe um saber capaz de acabar com essa situação de uma vez por todas. O que nos resta então é encarar o medo dessa coisa que vem de fora com as nossas angústias que vem de dentro.
Como dizia o velho Freud, cada caso é um caso e acrescento aqui que cada um se vira como pode. O psiquismo cria mecanismos de defesa a partir da nossa própria fantasia para suportar o mal estar na civilização. A negação da realidade que estamos vivendo ao meu ver é o mecanismo que mais comparece nesses tempos de pandemia. E sem dúvidas, o menos eficaz. Uma tremenda tolice, segundo o psicanalista Chris Dunker. Ele afirma que o sujeito tolo tem tanto medo do corona vírus que precisa negar o que está acontecendo. “Isso é uma ‘gripezinha’, vai passar, foi uma invenção dos chineses, não precisamos ter medo”. Também pode se posicionar de forma perversa, fazendo uma afirmação seguida de uma negação. É aquela história do “eu sei, mas mesmo assim…”
A pessoa pode até estar ciente dos acontecimentos e efeitos da pandemia, mas mesmo assim segue a vida como se nada disso estivesse acontecendo. Mesmo com o calendário de provas adiado e muitas possibilidades de manter o condicionamento físico em dia treinando em casa conforme sugere a organização mundial de saúde, muitos atletas insistem em sair para treinar em ambiente externo e em grupos, o que seria o “fim da picada” se o corona fosse transmitido por algum mosquito vetor. Acreditam firmemente que são seres especiais protegidos por alguma entidade superior ou que são imunes porque são atletas. Dunker chama esse posicionamento subjetivo de ‘tolice’ porque era assim que filosofia antiga falava daquele que não era covarde nem corajoso, pois para ser um dos dois é preciso sentir medo. O covarde regride e o corajoso ataca. Na tolice nos falta ciência e capacidade de ver o medo, além de faltar também o entendimento de que o medo tem a sua importância.
Para o psicanalista, a oposição a tolice é o desespero. O desesperado substitui o medo disso que vem de fora pelo exagero das angústias que vem de dentro de si. Supõe que a ameaça é tão poderosa que não pode fazer nada e se vitimiza. ‘Estamos perdidos, somos pobre coitados’. Diante uma sensação de desamparo absoluto, o desesperado paralisa e simplesmente não consegue fazer nada com o vazio de suas angústias. Não treina nem na rua nem em casa porque mal tem forças pra se levantar da cama.
No meio desses extremos temos a confusão. Quem está confuso transita entre a tolice e o desespero. Não entende bem o que está acontecendo, não sabe como agir. Tem hora acha que tudo está perdido, mas também tem seus momentos de otimismo. Oscila entre ócio e a produtividade. Conseguiu se adaptar a sua nova rotina indoor e mais solitária, mas às vezes amanhece sem entusiasmo algum pra treinar, fazer home office ou cuidar da casa e dos filhos.
Lacan diz que os não-tolos erram. É uma frase que aparece em um texto que confesso que ainda não li. Mas como o Lacan adorava brincar com as homofonias das palavras, pressuponho que nessa frase errar tem o sentido não só de engano ou equívoco, mas também de vaguear, de movimentar-se sem um destino fixo. Imagino que muitos de nós em algum momento se sentiu assim em tempos de pandemia. Pelo menos na errância entre a tolice e o desespero podemos fazer algum movimento de nos deparar com nossos equívocos e inventar alguma forma de encarar os nossos medos. Mas se você não está confuso nesse momento, como sugere Dunker, procure um psicanalista, pois você pode ter um problema e ele não é o coronavírus.
Paula Lampé Figueira é psicanalista, psicóloga do esporte e triatleta amadora. @paulafigueirapsi