Em entrevista, Santos elucida sobre a programação até Tóquio e o momento do triathlon nacional
O português Sergio Santos é o Diretor Técnico da Confederação Brasileira de Triathlon, onde já trabalha há quase dez anos. Dono de uma vasta experiência no esporte, ele já foi Head Coach em quatro Olimpíadas, sendo treinador medalha de prata em Pequim 2008 e campeão mundial Elite em 2007, além de diversas outras conquistas. Ele conversou conosco sobre o adiamento de Tóquio 2020 e as perspectivas para nossos atletas no futuro.
A ITU já sinalizou como deverá proceder a partir de 30/06, no tocante ao WTS 2020 e ranking olímpico?
SS: Ainda não. Acredito que antes do final de Maio, se saberá algo mais. Tudo está muito incerto ainda.
Até o início dessa temporada, tínhamos três atletas bem encaminhados para a classificação Olímpica (Messias, Luisa e Vittoria). Pensa que este tempo a mais pode ser a oportunidade para outros nomes também garantirem a vaga para Tóquio?
SS: A nossa estratégia e prioridade vai continuar a mesma. Temos efetivamente três atletas bem colocados nos rankings, que nos deixam otimistas quanto à conquista de vagas para o Brasil, mas a segunda vaga masculina só será conquistada pela via do Team Relay. A nossa prioridade é tentarmos conquistar a vaga direta no evento de Team Relay no próximo ano, que não sabemos ainda onde e quando será.
Tendo a confirmação dos nomes que irão aos Jogos, qual será a programação ideal até Tóquio?
SS: Os nomes apenas vão ser confirmados quando o período de qualificação fechar, portanto, provavelmente apenas em Maio de 2021. Relembro que as vagas são do país e não dos atletas. Os atletas são selecionados de acordo com os critérios que foram elaborados pela Diretoria Técnica da CBTRI, e aprovados pelo Comissão de Treinadores que posteriormente foram submetidos e aceites pelo COB. Em função desta nova realidade e dos Jogos Olímpicos terem passado para 2021, logo que sejam conhecidos os critérios de qualificação revistos pela International Triathlon Union e aprovados pelo COI, teremos do nosso lado de também rever os nossos critérios que seleção, pois os atuais foram pensados para 2020 e para um calendário que já não é realidade.
Os principais atletas brasileiros do Circuito Mundial da ITU atualmente são bem jovens, e ainda terão vários anos de crescimento; já vê outros nomes surgindo, que poderão se juntar a eles?
SS: Sim, felizmente os nossos melhores atletas são muito jovens e são claramente atletas para Paris 2024 e Los Angeles 2028. Temos vindo a trabalhar com juniores que gradualmente vão ganhando experiência e que serão devidamente lançados em 2022 e 2023 para verificarmos se são real possibilidade para as Olimpíadas seguintes. Para já, destaca-se o jovem Miguel Hidalgo, único Junior o ano passado, que para além de ter apresentados bons resultados na categoria, também já revelou nível para competir em World Cup.
Temos boas chances de classificar o Team Relay para Tóquio?
SS: As chances existem, mas será difícil. Sete ou oito nações procuram a mesma via de qualificação. Se qualificarmos o Team Relay, os quatro atletas vão ser escolhidos em função dos critérios técnicos de seleção para os Jogos Olímpicos. Os quatro poderão competir na prova individual e de Team Relay.
Existem rumores que para Paris 2024 o triathlon poderia ser disputado na distância Sprint. O que pensa disso?
SS: Não existem dados concretos. Fala-se de muita coisa, até de um evento com eliminatórias na distância super-sprint e final na distância sprint. É muito cedo para podermos antecipar cenários. Seja como for, acredito que o critério de decisão será guiado pelo retorno midiático e espetáculo televisivo. Seja qual for a decisão, pouco altera. Vem dar uma ligeira chance adicional a atletas mais jovens e retira uma pouco de possibilidades a atletas mais lentos, geralmente mais avançados na idade. O publico quer ver é espetáculo, atletas a disputar palmo a palmo até ao final, e na distância sprint isso é mais marcado. Para lhe ser honesto, se a possibilidade existisse, eu optaria claramente para um modelo de eliminatórias + final na distância sprint, e tentaria introduzir o 70.3 nos Jogos Olímpicos. Imaginem todos os melhores atletas do circuito Ironman nas Olimpíadas! Seria muito midiático! E não seria impossibilitado pela duração… os 50km da marcha atlética duram quase 4h e o ciclismo de estrada cerca de 6h, portanto, o 70.3 encaixa perfeitamente, com 3h30 para os homens e 4h00 para as mulheres, aproximadamente. Seriam atletas completamente distintos. A distância Olímpica 1500-40-10 está em algum lugar entre o sprint e o 70.3, mas torna-se muitas vezes monótona, principalmente durante o ciclismo.
O que vê como principal diferença entre o triathlon brasileiro e os principais centros do esporte (Grã-Bretanha, Espanha, França, EUA e outros)?
SS: Temos poucos atletas a competir com orientação para os Jogos Olímpicos. A maioria dos nosso triatletas é de amadores que procuram no triathlon um estilo de vida; esses atletas são muito importantes para o desenvolvimento da modalidade, mas não são atletas de Alto Rendimento. O nosso calendário desportivo e grau de exigência dos circuitos escolhidos para as competições no Brasil, não se assemelha aos circuitos dos países que menciona acima… Temos de deixar de organizar competições “do bate e volta” na orla da praia. Esse circuitos são bons para amadores, mas não preparam os nossos atletas de Alto Rendimento para a realidade internacional. Também temos de aumentar a participação de calendário competitivo dos mais jovens. No Brasil, os Amadores são uma fonte de receita para as assessorias esportivas e para os eventos, mas os jovens são muito vistos apenas pela parte social. Uma escola ou Clube de Triathlon têm de ser vistos como um Clube de Natação ou escolinha privada de futebol, ou de outra modalidade, para a qual os pais pagam para dar formação desportiva aos filhos. A parte social tem de continuar e ser reforçada, para que todas as classes sociais possam ter acesso ao desporto, neste caso ao Triathlon, mas tem de surgir a escola de Triathlon financeiramente sustentável, para atrair bons treinadores para formar jovens.
Sergio, fique à vontade para acrescentar o que desejar:
SS: Comecei a conhecer a CBTri em 2005, na primeira vez que fui ao Brasil dar formação a treinadores, mas já em 2003 e 2004 fiz training camps no Brasil com atletas que então preparava para a Olimpíada de Atenas 2004, e foi quando também pela primeira vez, atletas brasileiros vieram a Portugal para realizarem training camp com atletas portugueses que eu treinava, e para se prepararem às Olimpíadas. Desde 2011 trabalho para a CBTRI, quase 10 anos, e tenho constatado que se tem feito quase milagres… Eu, que conheço bem a realidade de Portugal, onde fui Diretor Técnico entre 2000 e 2010, trabalhava numa estrutura que tem entre 15 e 20 pessoas a trabalhar a tempo inteiro, para um país de 10 milhões de habitantes e apenas 3000 filiados. A única forma que a CBTri tem de fazer mais, será aumentando os seus colaboradores, ter mais gente a trabalhar em diversos projetos. Penso que sem ser dado esse passo, é difícil a CBTri por em prática todos os bons planos de desenvolvimento que têm na sua estratégia. Há muita coisa boa por fazer, mas a CBTri, tal como a maioria das Confederações, está demasiada dependente dos recursos do Estado. Precisamos de iniciativa privada que nos ajude, que nos torne mais autônomos, e que nos permita ajudar ainda mais todos atletas que gostam desta modalidade que nos é querida, e que todos amamos.