Ciclista colombiano perdeu sua 6ª colocação no recente Tour de France pelo uso de Tramadol; entenda o porquê da punição, mas não da suspensão
Por Roger de Moraes
Poucos sabem que o ciclismo é culturalmente popular na Colômbia, e que esse país produz atletas que se destacam anualmente no Tour de France. Nairo Quintana é um ciclista profissional colombiano em atividade, que já venceu o Giro de Itália e a Volta da Espanha. Também foi vice-campeão do Tour de France em 2013 e 2015 e, apesar de ter chegado em sexto lugar este ano (2022), foi desclassificado pelo uso de tramadol, um opióide eficaz para reduzir manifestações agudas e crônicas da dor. Ainda assim, o teste positivo para o tramadol não constitui uma violação de doping.
Desde 2019 o uso de tramadol é proibido pela UCI e sua utilização, assim como a de codeína, não são reguladas pela WADA (Agência Mundial Antidoping). O episódio entretanto, ilustra o abuso de analgésicos entre atletas de endurance, algo que mesmo diante da tolerância aumentada à dor em resposta ao treinamento, chega a ser até quatro vezes superior do que na população geral da mesma idade. Embora as melhorias no rendimento sejam pequenas, são significativas para modalidades como o ciclismo, onde a dor no quadríceps resulta de alterações iônicas e distúrbios locais do equilíbrio ácido básico, capazes de ativar as terminações nervosas de dor.
Acredita-se que enquanto 8% das amostras de urina de triatletas e remadores analisadas por espectrometria de massa durante exames antidoping contenham metabólitos do tramadol, entre ciclistas profissionais esse número sobe para 65%. Apesar do leve efeito ergogênico não ser corroborado em todos os estudos, o uso do medicamento apresenta efeitos colaterais que incluem prejuízos na atenção sustentada e dependência.
O efeito analgésico do tramadol decorre da ação do O-desmetiltramadol, produzido durante seu metabolismo hepático. Essa substância atua como agonista de receptores m-opióides e como inibidor da recaptação de serotonina e norepinefrina, situação que promove simultaneamente analgesia e alterações do humor. O maior percentual de gordura das mulheres parece afetar a distribuição de opoiódes, cujo metabolismo hepático parece ser mais acelerado em homens que, além disso, possuem trânsito gastrointestinal mais rápido e absorvem a droga mais rapidamente. Alterações genéticas que alteram receptores e o metabolismo de drogas estão por trás da variabilidade da ação ergogênica desta substância.
Nairo Quintava perdeu sua 6ª colocação no Tour de France, mas não foi suspenso de suas atividades, tanto que estava liberado para correr a Volta da Espanha, mas decidiu não competir para defender-se da desclassificação imposta pelo TAS (Tribunal Arbitral do Desporto). Na origem da decisão poderá estar o facto de ter um limite de 10 dias para apresentar recurso (coincidindo com a prova).
Roger de Moraes – @demoraesroger
Ex-triatleta Profissional, Professor de Fisiologia Geral
Doutor em Ciências com Pós-Doutorado no Laboratório de Investigação Cardiovascular do Instituto Oswaldo Cruz – Fundação Oswaldo Cruz