TREINAMENTO DE ENDURANCE E MORTE SÚBITA EM ATLETAS

Exercícios de “endurance” em excesso fazem mal? Tal discussão não se trata de debate de opiniões, mas de hipótese que só pode ser esclarecida através do rigor do método científico.

Por Roger de Moraes

Exercícios de “endurance” em excesso fazem mal?

Quando se afirma a existência de relação dose-resposta entre a prática regular de atividades físicas aeróbicas de intensidade moderada e a redução do risco de morbidade e mortalidade cardiovascular, tem-se a impressão de que quanto mais exercício realizado melhor para saúde do miocárdio. Por outro lado, quando se coloca em dúvida tal premissa, tem início o debate se o excesso de exercícios físicos poderia prejudicar a função cardíaca e aumentar o risco de morte súbita entre praticantes assíduos de esportes de endurance.

No contexto do treinamento de endurance, já se sabia que volumes superiores a 5 horas semanais e intensidades maiores do que 10 METs, não produziriam efeitos benéficos adicionais à saúde cardiovascular humana. As evidências dos últimos anos de que o esforço intenso e prolongado de endurance seria capaz de aumentar os níveis sanguíneos de marcadores de lesão do miocárdio, reduzir a função de ejeção ventricular, induzir disfunção endotelial e inflamação crônica e sistêmica capaz de contribuir para formação de fibrose no tecido cardíaco, assim como alterações associadas na condução dos estímulos elétricos, inaugurou um caminho tortuoso para explicar os casos de morte súbita em atletas.

Tal discussão não se trata de debate de opiniões, mas de hipótese que só pode ser esclarecida através do rigor do método científico. Neste contexto, a observação dos fenômenos nos permite identificar problemas e elaborar hipóteses que o expliquem. As mesmas deverão ser exaustivamente testadas através de modelos experimentais válidos e reprodutíveis que testem a veracidade das hipóteses formuladas. De fato, observar, testar, medir e analisar resultados fazem parte do método hipotético-dedutivo que representa o meio mais racional para nos aproximar da verdade.

Entretanto, hipóteses científicas só se credenciam por testes de falseabilidade e em ciência nunca teremos certeza de que estamos certos. Na verdade, só podemos ter certeza de que estamos errados e como o conhecimento científico não é definitivo, o mesmo evolui através de processo de retroalimentação, ou seja, aprendendo a partir dos próprios erros. Destruir a ideia de verdades intangíveis foi uma das mais valiosas contribuições do método científico e o mesmo deve ser devidamente aplicado no treinamento de endurance.

Transformar hipóteses em verdades pode não ser apenas um equívoco, mas em muitos casos se aproxima da irresponsabilidade. O treinamento para desafios de endurance poderia danificar o coração do atleta na ausência de anomalias genéticas congênitas? Por enquanto nada pode ser dito a respeito a não ser que a ciência ainda não conseguiu se aproximar o suficiente da compreensão desse fenômeno. Mesmo na ausência de estudos controlados, randomizados e duplo cegos com atletas de endurance que se proponham a investigar a hipótese, existem evidências de estudos epidemiológicos e observacionais de associação entre fibrilação e treinamento de endurance praticado por longos anos.

Morte súbita em atletas

Embora existam suspeitas de que o uso de hormônios peptídeos e esteroides ao lado de estimulantes possam contribuir para o desenvolvimento de alterações fisiopatológicas no miocárdio, as ocorrências de morte súbita em atletas jovens, em geral, envolvem etiologia congênita com envolvimento de mutações em genes que codificam para proteínas estruturais do sarcômero ou canais iônicos. Por outro lado, entre atletas com mais de 35 anos a morte súbita encontra-se correlacionada com a doença aterosclerótica coronariana.

Entretanto, estatística não é diagnóstico e a singularidade fenotípica de cada ser humano deve ser profundamente investigada a fim de prevenir acidentes dramáticos que interrompem vidas aparentemente saudáveis e em muitos casos no auge da expressão do alto rendimento. Existem condições herdadas que interferem negativamente no enchimento e no esvaziamento ventricular que incluem cardiomiopatia obstrutiva hipertrófica, displasia arritmogênica ventricular direita e anormalidades coronarianas. Entre as alterações elétricas congênitas destacam-se as síndromes de Brugada, Wolff-Parkinson-White e do segmento QT longo além da taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica.

Cumpre salientar que a cardiomiopatia hipertrófica é condição relativamente frequente na população sendo encontrado 1 diagnóstico positivo a cada 500 pessoas e que considera como critério de diagnóstico espessura do ventrículo esquerdo superior a 15mm. Considerando que alguns atletas de endurance podem ter tal espessura em torno de 13mm, trata-se de diagnóstico difícil mas que se bem realizado pode reduzir a mortalidade através do implante de desfibriladores internos, algo que de fato tem ocorrido desde o ano 2000.

Ainda que possam existir sintomas de fadiga e falta de ar durante o exercício, muitas das alterações anteriormente mencionadas são assintomáticas e podem se manifestar clinicamente na forma de síncope ou pré-síncope e em alguns casos como morte súbita. A estratificação do risco de morte súbita é tarefa difícil e deve envolver acompanhamento por cardiologista com experiência no atendimento de atletas de endurance que possuem peculiaridades inacessíveis por intermédio de protocolos. Diante de diagnóstico positivo de anomalia genética, são possíveis intervenções que incluam mudanças de hábitos e visita regular ao médico. Dependendo do problema, poderá haver necessidade de intervenções cirúrgicas como ablações de substratos atriais ou implante de desfibrilador interno.

Estima-se que a ocorrência de morte súbita em atletas varie desde 1 caso a cada 40.000 ou 80.000 pessoas muito embora alguns estudos relatem frequência mais elevada de 1 a cada 3.000 atletas em fenômeno que varia de acordo com a condição herdada ou com o intervalo de vida analisado. A cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva e a displasia ventricular direita arritmogênica apresentam prevalências distintas sendo respectivamente de 1 caso a cada 500 e 1 caso a cada 2.000 atletas. Os distúrbios elétricos congênitos também podem variar desde 1 a cada 2.000 atletas em condições como a síndrome do QT longo até 1 em 10.000 atletas no caso da taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica.

Embora cada condição proporcione um mecanismo distinto para indução de fibrilação ventricular e subsequente parada cardíaca, a cardiomiopatia hipertrófica congênita frequentemente envolve rigidez da parede ventricular e aumentos da pressão atrial esquerda e do volume diastólico ventricular deste compartimento que contribui para congestão pulmonar e predisposição a arritmias letais. As mesmas podem mais simplesmente surgirem de substratos presentes em estruturas do miocárdio que são representadas por tecido fibroso formado em decorrência de lesões provocadas pelas alterações estruturais e/ou distúrbios do ritmo elétrico.

A obstrução coronariana por placa de ateroma parece ser a causa de morte súbita mais frequente em atletas de meia idade e envolve a ruptura de placas de gordura presentes nas artérias coronárias que pode ocorrer durante o exercício intenso. Neste caso, embora as evidências precisem ser confirmadas por outros estudos, atletas de endurance de meia idade apresentem maior deposição de placas de ateroma calcificadas 3 vezes superior do que aquelas observadas em sujeitos sedentários da mesma idade.

Ainda que tais placas possam ser mais estáveis, existem relatos de obstrução coronariana em atletas e ex-atletas com mais de 45 anos com cerca de 12% deles apresentando tecido fibroso em partes do miocárdio. A esse respeito deve-se considerar que a maioria dos estudos não considera a vida pregressa de cada constituinte da amostra podendo reunir em um mesmo grupo, ex-tabagistas sedentários que começaram a correr a dois anos do início do estudo ao lado de outros voluntários que se mantiveram extremamente ativos fisicamente por mais de 30 anos. Tal situação representa limitação metodológica que introduz viés de seleção que confunde a interpretação dos resultados.

Fibrilação atrial e treinamento de endurance

A fibrilação atrial não é propriamente uma doença, mas uma manifestação de alterações morfológicas e funcionais verificadas no compartimento atrial. Existem evidências de que o risco de fibrilação atrial seja 5 vezes superior em atletas de endurance do que sedentários da mesma idade em fenômeno que apresenta maior prevalência em indivíduos do sexo masculino com grande estatura e tamanho corporal e que parece associado à presença de inflamação crônica.

Acredita-se que o substrato predominante para tais fibrilações ocorra no átrio esquerdo na proximidade com a veia pulmonar. Tal região recebe inúmeras inervações do sistema nervoso autônomo que sabidamente apresenta-se modificada no atleta com aumentos exacerbados da atividade parassimpática. Interessantemente, alguns estudos já sugeriram que o aumento simultâneo das atividades parassimpática e simpática, condição observada em atletas com disfunção autonômica induzida por overtraining, seria capaz de deflagrar fibrilação atrial.

Modelos de investigação dos efeitos do excesso de exercício já foram implementados em roedores que comparados aos animais sedentários apresentavam tônus vagal significativamente mais elevado, dilatação atrial e fibrose e maior vulnerabilidade à fibrilação atrial. Interessantemente, o uso de atropina que bloqueava a ação sobre os receptores muscarínicos do coração, e com isso, a própria ação parassimpática, abolia a referida vulnerabilidade em efeito que foi posteriormente reproduzido com o destreinamento.

Cumpre salientar que além de apresentar maior tônus vagal, atletas treinados possuem maior sensibilidade cardíaca à ação da acetilcolina em fenômeno associado à modulação epigenética provocada pelos estímulos das sessões de endurance. Coletivamente, tais estímulos resultariam em substratos para fibrilação atrial. Outros estudos com animais confirmaram os achados anteriores, sugerindo que o fator de necrose tumoral (TNF) liberado durante o processo inflamatório, seria o responsável pela indução de fibrose sobre o miocárdio. De fato, quando o gene que codifica para o TNF era silenciado, os animais não apresentavam fibrose, remodelagem atrial ou vulnerabilidade às fibrilações em resposta ao treinamento.

Embora existam poucos estudos controlados em humanos, existem indícios de que as adaptações frente ao treinamento de endurance de alta intensidade aumente o tônus vagal, o número de contrações prematuras, o volume do átrio esquerdo e a duração da onda P do eletrocardiograma (ECG) que mensura a atividade elétrica destes compartimentos. Além de níveis elevados de TNF, o incremento da concentração plasmática das citocinas IL-6, IL-8 e IL-10 além da proteína C reativa, também já foram associados à maior prevalência de fibrilação atrial em atletas e corroboram a hipótese de que os efeitos negativos na fisiologia atrial estariam de fato correlacionado com a presença de inflamação crônica.

Sabe-se que o processo inflamatório se encontra associado ao surgimento de tecido fibroso que uma vez presente no miocárdio, ao interferir na condução do estímulo elétrico, poderia prover substrato para fibrilação atrial. A esse respeito, já foi sugerido que o overtraining seria capaz de provocar condição de inflamação sistêmica crônica que elevaria o risco de fibrilação atrial no atleta. Neste contexto, traumas musculares repetidos provenientes de sessões de treinamento muito intensas resultaria em inflamação local que diante do tempo insuficiente de recuperação, tornariam-se crônicas e sistêmicas.

Coerentemente, o aumento de citocinas pró-inflamatórias no sangue costuma produzir fadiga e mal-estar que teriam o objetivo de limitar o nível de atividades físicas dos atletas. O incremento destas citocinas prejudica a função imune e também parece capaz de produzir rupturas no metabolismo de aminoácidos e comprometer o ganho e a preservação de massa magra produzindo fenótipo catabólico que caracteriza atletas com overtraining.

Arritmia ventricular e treinamento de endurance

Outro problema cardíaco de etiologia ainda pouco conhecida são as contrações ventriculares prematuras (CVP) que uma vez ativadas atuam como marca-passo celular e alteram a condução normal dos estímulos através do nodo átrio-ventricular e do sistema de Purkinje. Neste sentido, a hipertrofia do miocárdio além da presença de fibrose e inflamação, parecem reproduzir nos ventrículos os problemas já descritos para o átrio. Entretanto, as evidencias de que o treinamento intensivo de endurance seja capaz de promover arritmia ventricular são muito menores do que já foi proposto para o átrio de atletas.

De fato, talvez pelo fato dos ventrículos serem menos suscetíveis a alterações do ritmo elétrico, as arritmias ventriculares são mais raras tanto em atletas como em não atletas. Tal raridade entretanto, não ameniza sua letalidade. Embora a maior parte das arritmias ventriculares sejam benignas, a presença de batimentos prematuros e taquicardia ventricular podem representar sinais de doenças como cardiomiopatia hipertrófica, displasia arritmogênica do ventrículo direito ou cardiomiopatias não isquêmicas que precisam ser investigadas por profissionais competentes especializados em atletas.

Cada atleta represente um ser humano com peculiaridades genéticas e ambientais únicas que precisam ser consideradas no diagnóstico e nas propostas de intervenção. A especialização acima referida exige o acompanhamento de centenas de atletas ao longo dos anos já que não existe conhecimento teórico suficiente para orientar protocolos de prática clínica que dispensem o raciocínio crítico investigativo. Mesmo na ausência de sintomas, avaliações periódicas que considerem o regime de vida e de treinamento, o histórico familiar, a ocorrência de síncope e de sintomas em repouso e durante o exercício, constituem ao lado do acompanhamento regular do comportamento do eletrocardiograma e do ecocardiograma em repouso e durante o esforço e das imagens de ressonância magnética do realce tardio pelo Gadolínio as principais tecnologias investigativas da função e estrutura do coração.

Estudos realizados com atletas desde a década de 80 mostram que mesmo aqueles que possuem alta ocorrência de CVP, a presença de problemas estruturais no coração é baixa e o risco de morte súbita ainda menor. Diante do exposto, especialistas europeus têm proposto a denominação “síndrome do coração do atleta” para aqueles que manifestam CVPs sem alterações estruturais do coração. Além disso, estudos tem indicado que o destreinamento seria capaz de reverter a condição muito embora não exista um consenso sobre este tema.

Outra alteração ventricular verificada em atletas de endurance caracteriza-se por taquicardia ventricular acompanhada de hipotensão e síncope e não parece representar condição benigna. Neste contexto, tendo em vista a maior resistência da circulação pulmonar e a necessidade de sincronia entre os ventrículos direito e esquerdo durante o exercício prolongado de alta intensidade, tem sido sugerido que o compartimento direito seria sobrecarregado em atletas de endurance e susceptível a alterações estruturais e arritmogênicas.

Em face ao exposto, vários estudos já associaram o incremento da concentração de peptídeos atriais e troponina à realização de eventos de endurance extremos como maratona, voltas ciclísticas e triathlons de longa distância. Os aumentos de troponina no sangue parecem especialmente sensíveis ao incremento da intensidade do exercício e tal situação tem sido sistematicamente reproduzida em estudos que investigam sua elevação ao final de maratonas e ultramatonas. Atletas com aterosclerose avançada podem mesmo diante de esforço com baixa intensidade liberar troponina cardíaca para o sangue e tal situação já foi associada tanto ao aumento da permeabilidade das células do miocárdio quanto à efetiva morte celular.

A sobrecarga de enchimento dos ventrículos, especialmente do direito, promove liberação de peptídeos natriuréticos que se mostram elevados no sangue após desafios de endurance. Diferentemente da sensibilidade da troponina à intensidade, tais peptídeos parecem mais associados com a duração do esforço. Em estudos realizados em atletas de endurance submetidos à análise de imagens de ressonância após o esforço prolongado, tem sido indicado que aumentos de troponina e de peptídeos natriuréticos correlacionam-se com o comprometimento da função sistólica e diastólica do ventrículo mesmo na ausência de fibrose evidente.

Digno de nota é o fato de que atletas bem preparados para o desafio de endurance, apresentam menor liberação de marcadores de sobrecarga cardíaca e menor estresse no enchimento e na parede ventricular conforme demonstrado através de análise de ecocardiografia após o esforço. Embora estudos com ex-atletas confirmem que na maioria deles o destreinamento promova reversão da hipertrofia induzida pelo treinamento, é importante ressaltar que tais estudos não consideram o aumento do tamanho corporal promovido pelo ganho de massa gorda destes indivíduos em sua aposentadoria e que proporcionalmente poderia ter produzido artefato para redução do tamanho do coração.

Assim, embora a hipertrofia cardíaca seja desejada para melhoria do rendimento, ainda não são bem conhecidos os efeitos de longo prazo de tais alterações estruturais e exposição repetida a microlesões e inflamação que poderão persistir por anos durante a carreira de atletas profissionais ou semi-profissionais. A questão já mencionada da sobrecarga ventricular direita foi recentemente confirmada por outros estudos que indicam que após período de treinamento intenso e prolongado este compartimento sofre dilatação e perde potência. Apesar disso, muito cuidado deve existir ao propor que o ventrículo direito seja especialmente vulnerável ao treinamento de endurance já que as evidências mencionadas provêm de estudos observacionais que necessariamente não indicam relação de causa e efeito entre exercício e danos cardíacos.

Estudos realizados com animais submetidos a treinamento com grande carga de corrida, demonstraram que esses animais desenvolviam maior suceptibilidade à arritmias ventriculares, dilatação do ventrículo direito, e aumento da densidade de fibrose e fraqueza do miocárdio. Tais evidências indicam que é de fato possível que o exercício em excesso provoque dilatação do compartimento ventricular direito e induza fibrose que uma vez combinados representariam condição que poderia levar à morte súbita por fibrilação ventricular.

Atletas com cardiomiopatia ventricular direita arritmogênica, doença congênita que envolve mutação dos genes que codificam para desmossomas dos sarcômeros ventriculares, possuem 5 vezes maior risco de morte súbita do que não atletas com a mesma condição. Parece que o estresse mecânico do coração contraindo em alta frequência por longo período de tempo, promoveria desorganização celular, infiltração de gordura, formação de tecido fibroso e maiores chances de arritmia.

Alguns autores acreditam que sujeitos geneticamente susceptíveis a tal condição, se submetidos a treinamento de endurance ao longo dos anos, desenvolveriam o problema. Outros, por sua vez, acreditam que tal condição possa ser adquirida pelo treinamento intenso de endurance mesmo sem qualquer susceptibilidade genética. A conexão entre treinamento de endurance e arritmia ventricular exige muito mais investigação científica, mas é sempre bom lembrar que a ampla maioria dos atletas de endurance nunca desenvolvem arritmias ventriculares severas.

Conclusão

São muitas as evidências de que o treinamento aeróbico de intensidade moderada protege o coração contra doença cardiovascular (DCV) que por sua vez representa a principal causa de mortalidade e morbidade nas sociedades modernas. Neste contexto, tem sido sugerido que a inatividade física representa fator de risco independente para DCV e contribui para disfunção endotelial e desenvolvimento da aterosclerose.

Compreender os efeitos do treinamento de endurance sobre o sistema cardiovascular é um desafio para ciência e também para treinadores e atletas que a cada óbito trágico são atormentados por ilações simplistas, precipitadas e não científicas de que o excesso de exercícios de endurance poderia prejudicar a função cardiovascular a ponto de induzir morte súbita. Ainda que tal hipótese possa ser verdadeira ainda é muito cedo para que se possa afirmar que ela não possa ser refutada e esmagadora maioria dos casos de morte súbita nesses atletas envolve a presença de alguma condição congênita operando de forma sorrateira e silenciosa no coração.

Certamente estamos diante de um fenômeno que precisa ser melhor compreendido. Entretanto, em um planeta aonde em virtude do desenvolvimento tecnológico, a ampla maioria das pessoas sucumbem por doenças cérebro-cardiovasculares e metabólicas frequentemente associadas à inatividade física e ao consumo de dietas hipercalóricas de ultraprocessados, afirmar sem evidências suficientes que o excesso de exercícios de endurance e todo um conjunto de hábitos adquiridos por estes atletas faça mal à saúde desses órgãos é sensacionalismo produzido pelo mesmo cinismo que responsabiliza o sedentário que trabalha 10 horas por dia por sua falta de tempo para se exercitar.

O treinamento de intenso de endurance realizado por longos anos ao lado do envelhecimento das estruturas do coração pode de fato produzir disfunções em indivíduos susceptíveis. Descobrir quais são essas susceptibilidades e confirmar o eventual efeito agressor da carga de treinamento definindo os limites de segurança para prática é tarefa de pesquisadores responsáveis que querem compreender mecanismos e fundamentar fenômenos biológicos através do método científico. A estes não interessam declarações midiáticas que desinformam e agravam problemas de saúde pública já bem evidenciados.

Roger de Moraes – @demoraesroger
Ex-triatleta Profissional, Professor de Fisiologia Geral
Doutor em Ciências com Pós-Doutorado no Laboratório de Investigação Cardiovascular do Instituto Oswaldo Cruz – Fundação Oswaldo Cruz

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