Treinamento de força melhora a performance no triathlon?

10 sugestões de dicas para introduzir na sua rotina de treinos de força

Por Eduardo Figueiredo

Atualmente tem sido comum a inserção do treinamento de força ou resistido em atletas de várias modalidades esportivas, principalmente, os de endurance. Muito se fala sobre o treinamento de força na periodização de atletas, desde sua utilização em períodos de base, férias e até mesmo durante os ciclos de treinos. Porém, muitos ainda tem a ideia do treinamento de força como uma atividade ‘extra’ e não se atentam da importância em manter uma regularidade dentro da periodização (específico/esporte) do atleta. É comum vermos atletas terem uma regularidade em alguns períodos, mas abandonarem as sessões de treinos de força do ano, fazendo com que as adaptações aos estímulos do treinamento não sejam bem consolidadas.

Era comum vermos triatletas justificarem a ausência desse tipo de treinamento na sua rotina com a ideia de que ganharia muita massa e isso atrapalharia seu desempenho na competição. Outros associavam a introdução do treinamento a um aumento da fadiga durante os treinos específicos da modalidade, podendo dessa forma atrapalhar a evolução dos treinos. Atualmente, sabemos que o treinamento de força, bem planejado, não interfere na disposição e condição do atleta durante o ciclo de treino específico. Para isso, vou tratar de alguns pontos interessantes sobre o treinamento de força e trazer considerações úteis para que o leitor considere inserir na rotina de seus treinos o treinamento de força como a quarta modalidade do Triathlon.

Os estudos mais recentes demonstram que uma maior força muscular está associada a características aprimoradas de força-tempo (por exemplo, taxa de desenvolvimento de força e potência mecânica externa), em desempenho geral de habilidades esportivas (como corrida) e também no desempenho de habilidades esportivas específicas (por exemplo, Triathlon). E de forma importante, o treinamento de força também está associado a efeitos de potencialização aprimorados e taxas de lesões diminuídas. De fato, a literatura existente sugere que uma maior força muscular sustenta muitos atributos físicos e de desempenho, influenciando na melhoria do desempenho geral do indivíduo. Soma-se a esses resultados, achados indicando que atletas mais fortes produzem desempenhos superiores durante tarefas específicas do esporte.

A força muscular tem sido definida como a capacidade de exercer força sobre um objeto externo ou contra uma resistência, por exemplo, deslocar a massa do corpo durante a corrida, e no ciclismo além da massa do corpo o objeto utilizado (no caso a própria bicicleta). Dadas as demandas do esporte a força é sustentada por uma combinação de fatores morfológicos e neurais, incluindo área e arquitetura da seção transversal do músculo, rigidez musculotendinosa, recrutamento da unidade motora, sincronização da unidade motora e inibição neuromuscular. Interessante observar que nas primeiras semanas (4-5 semanas) de treinamento resistido, a adaptação neural é superior às adaptações estruturais (hipertrofia), ou seja, o corpo aprende a produzir e coordenar força. Após essas primeiras semanas as adaptações se tornam mais estruturais, levando a hipertrofia e outras mudanças funcionais. Apesar das adaptações neurais se estabilizarem em média após a quinta semana, sua contribuição para o desenvolvimento de força não termina, ao contrário, conforme evolução do treinamento ela volta a contribuir significativamente por volta de 6 meses de treinamento. Perceba que precisa de tempo e regularidade para que essas adaptações ocorram.

As adaptações neurais vão se dividir em alterações do sistema nervoso central (SNC) que é caracterizada, principalmente, pelo recrutamento de unidades motoras, levando a maior excitabilidade neuronal, menor inibição pré-sináptica e aumento de disparos sinápticos, e sistema nervoso periférico (SNP) que leva a adaptações de nervos, vasos e neurônios, caracterizado por maior sincronia no recrutamento das unidades motoras, menor coativação dos músculos antagonistas (músculos que se opõe ao movimento) e maior ativação de outros músculos motores. A união das ‘adaptações centrais’ e ‘adaptações periféricas’ levarão ao aumento de força.

Um grupamento de unidades motoras (UMs) será recrutada com base na magnitude de força e da taxa de desenvolvimento de força (TDF; denominada também de ''força explosiva'') necessária durante uma determinada atividade. Por exemplo, UMs menores que incluem fibras tipo I (de contração lenta) serão recrutadas quando forem necessárias magnitudes de força e TDF menores, enquanto UMs maiores que incluem fibras tipo IIa/IIx (de contração rápida) só podem ser recrutadas se forem necessárias forças e TDF maiores. Sendo assim, O tipo e a intenção da atividade podem afetar diretamente quais UMs são recrutadas e como elas se adaptam. Por exemplo, corredores de longa distância podem recrutar apenas UMs de baixo limiar e fadiga lenta que contenham fibras do tipo I, dadas as forças moderadas que são necessárias repetidamente durante uma corrida.

Devido à natureza da tarefa, as UMs de alto limiar que contêm fibras do tipo II só podem ser recrutadas quando as UMs que contêm fibras do tipo I fatigam e a produção de força adicional é necessária para sustentar a atividade. Assim, a força máxima expressa ao usar uma combinação de todos os tipos de UMs pode ainda ser relativamente baixa em corredores de longa distância devido ao baixo recrutamento de UMs que contêm fibras do tipo II durante o treinamento. Ou seja, a inclusão do treinamento de força visando desenvolvimento de força máxima pode retardar a fadiga muscular no esporte de endurance através de um melhor recrutamento de UMs de fibras do tipo II.

No Triathlon, estudos vem demonstrando que 26 semanas de treinamento resistido com carga progressiva concomitante ao treinamento específico (Endurance) melhora a economia de corrida, ciclismo e força máxima em triatletas de longa distância. E mais importante, essas mudanças ocorreram sem aumento significativo de massa muscular. Apesar disso, uma variedade de protocolos e cargas de treinamento resistido foram necessários para induzir melhorias no ciclismo e corrida, enquanto que, o mesmo não foi observado para a natação, demonstrando dessa forma a complexidade que é prescrever treinamento de força para melhorar a performance do atleta nas três modalidades.

A economia de corrida é um forte determinante do desempenho, pois quanto mais econômico um atleta se torna por meio de adaptações ao treinamento, menos energia será gasta na mesma velocidade quando comparado com um atleta com economia de corrida inferior. Propõe-se que o custo energético do músculo esquelético seja responsável pela maior parte do custo metabólico total da corrida, com estudos enfatizando a importância de melhorar a “potência muscular” (a capacidade do sistema neuromuscular de produzir energia), e como foi observado, o treinamento de força pode melhorar esses fatores neuromusculares através de vários mecanismos propostos. Outra questão interessante é que, o ganho de força máxima pode ser melhorado sem necessariamente haver um aumento de massa muscular (significativo), sugerindo que essas melhorias de força seriam provenientes de alterações neurais e não da hipertrofia muscular.

Estima-se, que aproximadamente metade do trabalho mecânico realizado durante a corrida é proveniente do armazenamento e retorno da energia elástica devido à natureza do impacto da corrida no solo. Durante a fase de contato da corrida, a energia elástica é armazenada nos músculos, tendões e ligamentos e então parcialmente devolvida durante a segunda parte da fase de contato. Ao melhorar a rigidez musculotendinosa, particularmente no tendão de Aquiles, o atleta pode melhorar a utilização da energia elástica e diminuir a contração muscular necessária durante a corrida, diminuindo assim o consumo de energia durante a corrida e diminuindo o risco de lesões nessa região (o que é bastante comum em atletas nesse esporte). Só para se ter uma ideia da importância disso, corredores de resistência que possuem maior economia de corrida tem maior força dos músculos tríceps sural (gastrocnêmio e sóleo), o que não é surpreendente, visto que esses músculos respondem por até 40% do custo metabólico total da corrida em atletas recreativos. Isso se torna bastante interessante em triatletas de longa distância (IronMan), levando-se em conta que estudos apontam para um déficit neuromuscular e consequente deficiência na transmissão de força durante a corrida, e uma TDF diminuída que pode ser explicada por uma menor rigidez musculotendinosa em participantes após uma competição de IronMan.

A taxa na qual a força pode ser produzida é considerada um fator primário para o sucesso em uma grande variedade de eventos esportivos. A TDF pode melhorar a economia de corrida, pois o aumento da TDF está relacionado ao aumento da ativação neural em programas de treinamento resistido que enfatizam a velocidade máxima na fase concêntrica do exercício. Além disso, a força excêntrica está fortemente relacionada com a economia de corrida em corredores de longa distância, ou seja, exercícios que focam na fase excêntrica do movimento levam a melhorias na função mecânica (potência, TDF, rigidez musculotendinosa), morfológicas (tendão, fibra muscular), neuromusculares (aumento da velocidade da taxa de recrutamento e disparo de UMs) favorecendo um melhor desempenho do atleta. Sem contar que o treinamento excêntrico tem sido observado em reduzir taxas de lesões em atletas.

Quanto ao ciclismo, vale lembrar que fibras musculares do tipo I tendem a ser mais eficientes em intensidade submáxima do que as fibras do tipo II. O aumento de força máxima sugere que a tensão da fibra muscular desenvolvida para cada pedalada na mesma potência absoluta diminuirá em uma porcentagem menor nos valores máximos do atleta, ou seja, seguindo um princípio de tamanho do recrutamento das fibras musculares, isso resultaria em um adiamento da ativação de fibras musculares do tipo II mais fadigáveis, contribuindo potencialmente para uma melhor economia energética no ciclismo. Além disso, pesquisas que examinaram o treinamento simultâneo de força e endurance apontaram para aumentos na proporção das fibras musculares do tipo IIa menos fatigáveis e mais econômicas em relação às fibras musculares do tipo IIx menos eficientes, e melhorias na TDF como prováveis mecanismos que contribuem para melhorias no desempenho do ciclismo. Mudanças que podem impactar também na corrida.

É importante ressaltar que o desenvolvimento da força muscular é melhorado por uma combinação de fatores morfológicos e neurais. Existem vários métodos que podem ser inclusos na rotina de um atleta com o objetivo de melhorar a performance no triathlon através do aumento de força-potência. Deixarei algumas dicas com relação ao treinamento de força para triatletas, esperando que você considere a introdução na sua rotina de treinos.

1 – Tente estipular uma frequência semanal que possa ser realizada de acordo com sua rotina e individualidade.

2 – Comece de forma progressiva – cargas moderadas nas primeiras semanas;

3 – Após esse período de adaptação, comece a trabalhar com cargas > 85% de 1RM. Treinos com cargas mais pesadas se mostraram mais eficientes em ganhos morfológicos e neurais;

4 – Não caia na ideia de que uma simples série de musculação mensal lhe trará os resultados esperados. Varie bastante os exercícios (semanalmente), quanto mais variedade de gesto motor, melhor;

5 – Se quiser melhorar potência, exercícios derivados do levantamento de peso, balísticos (exercícios que aceleram o movimento concêntrico) e exercícios com resistência variável são preferenciais; para melhorar força, o treinamento excêntrico se mostra a melhor alternativa, e exercícios com resistência variável também é uma boa opção.

6 – Exercícios balísticos (multiarticulares), são excelentes para trabalhar com uma carga moderada, mas com intensidade próximo ao submáximo; além disso, os métodos de treinamento balístico podem promover o recrutamento de UMs maiores que contêm fibras do tipo II em limiares mais baixos, aumentando assim o potencial para que ocorram adaptações positivas de força-potência;

7 – Exercícios de pliometria, com Kettlebell e peso corporal são limitados na produção de força máxima, mas podem ser uma ótima opção para o desenvolvimento de força quando o objetivo é desafiar diferencialmente as demandas motoras (ativação neural);

8 – Trabalhe diferentes tempos de execução do exercício, principalmente quando fizer treinamento excêntrico;

9 – Entenda que não é somente um exercício ou outro, é necessária uma boa variedade de exercícios e intensidades de treinos. Lembre-se, dependendo do período de seu ciclo (específico do esporte, no caso o Triathlon), você pode dar ênfase no trabalho de força máxima ou trabalhar adaptações específicas do esporte com exercícios mais específicos ao gesto motor do esporte.

10 – Um olhar mais atento com atletas do sexo feminino, por conta do ciclo menstrual flutuações hormonais influenciarão nos níveis de disposição e força durante o treinamento e isso impactará na montagem dos treinos;

E importante lembrar, não existe receita de bolo! Respeite a sua individualidade biológica e converse com seu técnico.

Bons treinos!

Prof. Eduardo Figueiredo
Graduado em Educação Física
Especialista em Fisiologia do exercício
Mestrando em Oncologia – PPGO / CPQ – INCA
Professor de ciclismo da equipe Cordella team
Professor da clínica de reabilitação cardíaca MEDSPORT
Personal trainer
@prof.edu_figueiredo

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