Reflito sobre o tema que segue inspirado na preparação para o Ironman Brasil, em maio – a minha oitava prova nessa distância. Mas o papo cabe a todos que treinam, independentemente de suas metas, eu acho.
O tema é disciplina.
Essa virtude está tão “fora de moda” atualmente que um disciplinado chama muita atenção e é quase motivo de bullying. Pessoas disciplinadas são cada vez mais raras de se encontrar. Se o mundo aí fora vai se acostumando a essa escassez, tomando-a como “normal”, fazendo vistas grossas… no treinamento, amigo, a falta de disciplina salta aos olhos, é impossível disfarçar e vem à tona justamente pelo conjunto de problemas que gera.
O maior deles é o gasto inútil de energia. O indisciplinado se enrola em desculpas, procrastina as tarefas, se lamenta, faz promessas… isso tudo gasta tempo e desperdiça uma energia mental que podia ser usada no treino.
Sempre haverá dias em que não se tem vontade de treinar. Treino é repetição. No triathlon, ainda temos a chance de variar a modalidade, mas não dá para fugir do repeat: swim, bike, run. Repeat: swim, bike, run. Repeat… E é nestes dias que a vontade de ser um triatleta, de completar ou vencer uma prova, de alcançar metas e realizar um sonho precisa se transformar em ação rotineira, miúda, sem expectadores ou linha de chegada sob assovios ou gritos de incentivo.
Todos temos múltiplas tarefas, é verdade: o dia não cabe nas 24h. Porém, a “correria” tem servido de desculpa para tudo e assim será para sempre até que tomemos uma atitude firme. Aí vem a famosa frase: quando queremos realmente algo, tempo (ou vontade) se arranja. Em outras palavras, em tempos de correria, só nos resta eleger prioridades.
Como age um disciplinado? Tem um meta, define com nitidez (e bem orientado) o que precisa ser feito para alcançá-la, encontra espaço para aquilo na sua vida e não negocia. Ou seja, direciona sua energia para o que tem de ser feito e ponto final, objetivamente.
A minha dica para o “repeat” do treino nosso de cada dia é: não pense, vá. Coloque-se lá onde você tem de estar e, uma vez lá, deixe que seu corpo aja (e não a sua mente cansada ou o sentimento que gerou a falta de vontade). Não pense em todo o treino, no que vem pela frente. Pense apenas em começá-lo.
Faça o que for possível, com o que tem, a partir do que está firmado. O mimimi vai sumir. Se ainda assim a vontade não aparecer, foque no próximo tiro, na próxima braçada, no próximo passo e assim por diante e “livre-se” do treino do dia de uma vez, sem desperdiçar energia. Assim, aos poucos, o “músculo” da disciplina vai ficando cada vez mais tonificado.
Uma analogia que me vem à cabeça é com relação ao trabalho. Escolhemos a profissão/atividade x e não y por uma série de características, afinidades e habilidades. O esporte a ser treinado, idem: você escolhe qual, como e quando – e precisa ter bem claros os motivos, que são alicerces da sua motivação diária.
No caso de uma pessoa disciplinada, as condições externas não têm mais peso do que o próprio escrutínio dela, a (auto)vigia particular. O disciplinado é seu próprio chefe. Ele dá as ordens e – o mais importante – as cumpre. Portanto, seja chefe e subordinado de si mesmo. Mande e obedeça a si mesmo. Seja sargento e soldado (e coloque seu soldado nos eixos, em caso de “rebeldia”).
Para os “dias ruins”, afinal todos os temos, deixe à mão um plano de ação, um kit de primeiros socorros, com frases ou exemplos inspiradores, para quando a preguiça vier para cima. E tenha uma cena poderosa e motivadora para focar a sua mente, uma cena em que você se enxerga onde quer estar e como quer estar.
Frank Silvestrin
é triatleta profissional
e diretor da Raia Sul